Jean
Bodin: aspectos biográficos, contextuais, conceituais e atuais
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1.1- Contexto histórico:
O
século XVI é marcado pela intensificação de conflitos em níveis externo e
interno na França. No primeiro ponto, a França estava em tensões históricas com
seus vizinhos europeus, especialmente a Inglaterra e Portugal. Estas disputas
se inseriam no contexto mais amplo das grandes navegações, no qual o país galo
procurava o seu espaço. Ademais, faz-se necessário lembrar que o século vigente
representa a luta dos Estados Modernos pela autonomia política diante do Papado
e a sua ingerência em assuntos seculares, algo pertinente na Idade Média. No segundo ponto, as lutas internas estavam
mais ligadas a disputa pelo poder político na constituição de um Estado. De um
lado, estavam os nobres franceses, a exemplo dos Bourbons, em aliança com os
protestantes huguenotes; do outro lado, o monarca em aliança com os católicos.
Essa disputa pelo poder far-se-á simbólica em 24 de agosto de 1572, alcunhada a
Noite de São Bartolomeu, no qual o monarca mandou executar os huguenotes.
Jean
Bodin nasceu em Argens em 1530, proveniente de uma família católica, ingressará
na Ordem os Carmelitas em 1545. Com dificuldades de compreender a escolástica,
três anos depois irá estudar filosofia e teologia em Paris. Na década seguinte
formará seus estudos em Direito na Universidade de Tolouse. Nesse período,
publica dois livros: A tradução do poeta grego, Opiano, sobre a Caça (1555) e o
Discurso ao Senado e ao povo de Tolouse sobre a educação a ser dada aos jovens
da República. Na década de 1560 volta a Paris, momento em que os conflitos
religiosos se recrudescem, para ser advogado no Parlamento. Em 1561, Metódo
fácil para o conhecimento da História, livro que consagra o seu nome perante a
corte e o Monarca, sendo chamado para ser Procurador Real na Normandia e, logo
em seguida, Secretário do irão do Rei, o Duque Banjur (futuro rei). Essa
aproximação com a família real será vital para a produção do seu novo livro, os
Seis livros da República (1572), escrito durante as guerras de religião e
prefaciado contra os huguenotes. Finalmente, concluirá suas obras trabalhando
questões como, o direito Universal, a inflação, a física aristotélica, o
tratado sobre teologia e a demologia das bruxas. Essa diversificação de temas
faz com que o autor seja considerado um renascentista, isto é, aquele que
escreve sobre todas as áreas do conhecimento, ainda que a ênfase seja em
Direito, Política, Soberania.
A
principal obra de Jean Bodin é o Seis Livros da República escrito em 1572.
Nesse livro, a relevância de seus estudos fundamenta-se em primeiro lugar, na
capacidade de organizar um estudo sobre o tema, já que desde o século XIII
existe autores analisando isso. Em segundo lugar, é uma teoria que pensa o
Estado Moderno, portanto todos os autores seguintes irão beber da sua fonte.
Finalmente, em terceiro lugar está a centralização do conceito de soberania
como elemento primordial na constituição de um Estado Moderno. Nesse
último aspecto, a soberania se divide em três características: indivisível,
perpetua e absoluta. O aspecto da indivisibilidade está ligado a
impossibilidade de o monarca dividir a soberania em várias partes. Aqui, o
autor irá atacar a tradição clássica de Aristóteles, Políbio e Cícero que
pensavam a melhor forma de soberania é aquela de governo misto. Esse governo
era dividido, por exemplo, na forma aristotélica o governo misto (e a soberania
dividida) seria o equilíbrio entre aspectos da Oligarquia e Democracia. O aspecto da perpetuidade está ligado a
continuidade da soberania no tempo. E o aspecto absoluto está ligado a ideia de
poder supremo, independente, incondicional, isto é, o poder de dar as leis
(poder legislativo) que somente o monarca é possuidor. Então, questiona-se o
autor é um teórico do Absolutismo? Quando
Jean Bodin escreveu o termo absoluto, ele demonstra que o poder do rei não é
ilimitado, posto que existe mecanismos que impõe freios, tais como o direito
divino e natural, a lei fundamental da República na sucessão. Dessa forma, o
monarca não tem a capacidade de fazer tudo o que quiser, pois sua função está
ligada a capacidade de garantir a segurança e a ordem, para tanto terá o poder
de legislar. Porém, o Soberano não poderá tomar a propriedade do súdito sem o
seu consentimento, não pode determinar o seu sucessor, tem o deve de cumprir os
contratos, etc.
Desde
o século XVI, a soberania ganhou novos
contornos. No século XVIII, Rousseau diz que a soberania é a expressão da
vontade do povo. No século XX, com o desenvolvimento da Globalização, a criação
de organizações internacionais, e os desafios advindos do Final da Guerra Fria,
tais como o crime organizado, os problemas ecológicos e ambientais, o
terrorismo em escala global, trouxe para o Estado a flexibilização da sua
soberania. Este conceito já não é absoluto como em Bodin, porquanto o Estado já
não consegue responder sozinho aos diversos problemas que afligem o exercício
de suas funções essenciais. Segundo Jean Cohen, as organizações internacionais
ainda que consigam criar normas supranacionais, não conseguem ter o poder de
impor sanções aos atores globais mais fortes, como por exemplo, na invasão
unilateral estadunidense na Guerra do Iraque. Essa fragilidade evidencia que a
ordem internacional não flexibilizou a soberania totalmente, mantendo certo
espaço de atuação estatal, especificamente, a capacidade de decidir sobre a
guerra e a paz, a nomeação de chefes militares e magistrados, a emissão de
moeda, a definição ou suspensão de impostos, a concessão de anistia e indultos,
o julgamento em última instância, e por fim, o uso de forma legítima da
violência física para manter a ordem interna e defender o território.
O
estudioso Jurguen Habermas afirma que a flexibilização da soberania está em
três frentes: a primeira, é representada pela perda da capacidade de controle
estatal; a segunda, é apresentada pelo crescente déficits de legitimação no
poder decisórios; e finalmente, a terceira, é mostrada na progressiva
incapacidade de dar provas, com efeito legitimador, de ações de comando e de
organização. Ele completa dizendo que esse fenômeno, no plano interno, se
expressa pela crescente desterritorialização e desnacionalização da atividade
econômica e dos fluxos de capitais, enquanto que no plano externo se mostra na
supressão do Estado pelas instituições transnacionais e a sociedade civil
global.
Um
terceiro estudioso, Abram Chayes, em sentido contrário aos dois primeiros, diz
que a soberania não pode mais consistir na liberdade dos Estados de atuarem
independentemente e de forma isolada à luz do seu interesse específico e
próprio. A soberania consiste, numa cooperação internacional em prol de
finalidades comuns. Os Estados, expressam e realizam a sua soberania,
participando da comunidade internacional, ou seja, participar do sistema
internacional é sobretudo, um ato de soberania por excelência. Esse ponto se
exemplifica na questão dos Direitos Humanos, no qual os Estados onusianos
ratificaram seu o sistema global.
O
Brasil, como membro fundador da nova ordem internacional do pós-1945, é
defensor legítimo dos Direitos Humanos em âmbito externo desde a fundação da
ONU. E pelo menos desde a Constituição Federal de 1988, explicitou nos artigos
primeiro e quarto, a defesa interna desses direitos. Então faz-se o
questionamento, o Brasil atua como país soberano ou como país que aceita a
flexibilização da sua soberania?
A
resposta para esta pergunta aparece em abril de 2011, quando a Comissão de
Direitos Humanos emitiu a medida cautelar 382/10, acautelada pela Sociedade
Paraense de Defeso dos Direitos Humanos, a Justiça Global, o Movimento Xingu
para Sempre e a Asociación Interamericana para la Defensa del Ambiente, contra
o país em relação a construção da Usina de Belo Monte. Ela visava a paralização
das obras e explicação do licenciamento ambiental, onde segundo a explicação da
CIDH, o Brasil violava os Direitos Humanos dos povos índigenas Juruna, Arara da
Volta Grande e Paquiçamba ao uso da água no território do Xingu. A resposta do
governo brasileiro veio por meio do Ministério das Relações Exteriores, que
emitiu a nota nº 142 em 05 de abril de 2011, no qual o país frisava que a CIDH
é um sistema complementar ao sistema interno dos países. Sendo assim, o país
estava atuando de forma legítima pois o Congresso Nacional, o Ibama e a Funai
haviam aprovado o projeto de Belo Monte. O próprio Congresso Nacional, através
da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional aprovou uma nota de
repudio a declaração do secretário executivo da CIDH, Santiago Canton, que
havia apoiado a posição da Comissão, e ao mesmo tempo, aprovou nota de
solidariedade a nota nº 142. Essas posições altivas brasileiras fazem com que a
CIDH volte atrás, emitindo em junho do mesmo ano, nova medida cautelar que
retira a recomendação de paralização das obras de Belo Monte. Após esses
eventos, fica claro que o Brasil atuou nesse caso de forma soberana,
priorizando o desenvolvimento nacional a partir da construção da Usina de Belo
Monte, considerada estratégica. Essa capacidade de exercer o seu poder soberano
no território será reafirmada em mais dois momentos: quando em 2012, a Ong
Justiça Global denunciou o uso de espionagem feita pelo Consórcio Norte e a ABIN
ao Movimento Xingu para Sempre, e nas sucessivas greves praticadas pelos
trabalhadores das obras, em que o governo brasileiro respondeu com o uso da
Força Nacional. Mas porquê Belo Monte é
estratégico?
O
projeto de construção de hidrelétrica no Xingu, iniciou nos anos de 1970-80
durante o Regime Civil-Militar, com estudos nas áreas que definiram a área de
1.225km². Ao chegar a Redemocratização, no ano de 1994, após protestos
indígenas no 1º encontro dos povos Indígenas do Xingu, o projeto passa a ter
“apenas 400 km²”, sendo ainda a 3ª maior hidrelétrica do mundo. No governo de
FHC, no ano de 2001, torna-se um projeto estratégico para o plano de
desenvolvimento Avança Brasil. Em seguida, com a subida ao poder do Partido dos
Trabalhadores (PT), no ano de 2009, é considerada a obra mais importante do
Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). No ano seguinte, em leilão, o
Consórcio Norte Energia S.A (NESSA) vence a construção da obra, sendo o Brasil
o sócio majoritário, com 49,98%. Ademais, o Estado brasileiro financiará 80% da
obra, além de por 10 anos abater 75% do imposto de renda do consórcio.
Atualmente, a obra encontra-se em cerca de 70% concluída. Esses dados
históricos demonstram a longevidade do projeto, que passou pelos mais diversos
governos, assumindo o caráter de projeto de Estado. Essa importância reflete na
defesa da soberania pelo Estado brasileiro na Medida Cautelar 382/10 citada
acima. Mesmo o país sendo signatário dos mais diversos instrumentos de proteção
aos Direitos Humanos e possuir defesa desses princípios em sua política
externa, o que para Abram Chayves significaria uma relativização da soberania
em prol de uma ordem internacional constituída, em sentido contrário, e mais
próximo a Jurgen Habermas e Jean Cohen, o país defendeu a sua soberania perante
as organizações internacionais. Isso não significa que o país atuou pela ótica
bodiniana da soberania absoluta, mas sim manteve alguns pontos essenciais da
sua soberania, no caso a defesa de um desenvolvimento econômico na construção
de Belo Monte.
Bibliografia
BODIN, Jean. Les six livres de la Republique de Jean Bodin. Paris: BNF Gallica, 2007. Link para acesso:Les six livres de la Republique de Jean Bodin
BARROS, Alberto R. G. . Jean Bodin: o conceito de soberania. In: Agassiz Almeida Filho; Vinícius Soares de Campos Barros. (Org.). Novo Manual de Ciência Política. 1 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, v. 1, p. 81-108
BARROS, Alberto R. G. . Jean Bodin: o conceito de soberania. In: Agassiz Almeida Filho; Vinícius Soares de Campos Barros. (Org.). Novo Manual de Ciência Política. 1 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, v. 1, p. 81-108
VASCONCELOS, Sarah Delma Almeia. & LACERDA, Jan Marcel de Almeida. O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS (SIDH) E O CASO BELO MONTE: uma análise sobre a proteção internacional dos Direitos Humanos. Link para acesso: O sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) e o caso de Belo Monte: uma análise sobre a proteção internacional dos Direitos Humanos.