sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Soberania: De Bodin a Westphalia


Ratification of the Peace of Münster (Gerard ter Borch, Münster, 1648)
 Introdução
O post do blog pretende apontar como o conceito de soberania apareceu entre o séculos XVI a XVII, a partir da análise da obra de Jean Bodin e do Tratado de Westphaplia. O primeiro é considerado o primeiro autor a colocar a soberania como tema fundamentado de estudo, enquanto que o documento de Westphalia é a primeira legislaçao internacional a afirmar categoricamente a inviolabilidade desse conceito entre os Estados. Sem ter a preocupação com metodologias acadêmicas, o texto  nao tem o objetivo de exaurir o tema, mas sim provocar aqueles que visitam este blog ao debate sobre um assunto fundamental para as Relações Internacionais. 

Pintura em óleo de Jean Bodin, autor desconhecido

1- Jean Bodin

1.1- Contexto histórico: 

O século XVI é marcado pela intensificação de conflitos em níveis externo e interno na França. No primeiro ponto, a França estava em tensões históricas com seus vizinhos europeus, especialmente a Inglaterra e Portugal. Estas disputas se inseriam no contexto mais amplo das grandes navegações, no qual o país galo procurava o seu espaço. Ademais, faz-se necessário lembrar que o século vigente representa a luta dos Estados Modernos pela autonomia política diante do Papado e a sua ingerência em assuntos seculares, algo pertinente na Idade Média.  No segundo ponto, as lutas internas estavam mais ligadas a disputa pelo poder político na constituição de um Estado. De um lado, estavam os nobres franceses, a exemplo dos Bourbons, em aliança com os protestantes huguenotes; do outro lado, o monarca em aliança com os católicos. Essa disputa pelo poder far-se-á simbólica em 24 de agosto de 1572, alcunhada a Noite de São Bartolomeu, no qual o monarca mandou executar os huguenotes.   
 
1.2-Vida:

Jean Bodin nasceu em Argens em 1530, proveniente de uma família católica, ingressará na Ordem os Carmelitas em 1545. Com dificuldades de compreender a escolástica, três anos depois irá estudar filosofia e teologia em Paris. Na década seguinte formará seus estudos em Direito na Universidade de Tolouse. Nesse período, publica dois livros: A tradução do poeta grego, Opiano, sobre a Caça (1555) e o Discurso ao Senado e ao povo de Tolouse sobre a educação a ser dada aos jovens da República. Na década de 1560 volta a Paris, momento em que os conflitos religiosos se recrudescem, para ser advogado no Parlamento. Em 1561, Metódo fácil para o conhecimento da História, livro que consagra o seu nome perante a corte e o Monarca, sendo chamado para ser Procurador Real na Normandia e, logo em seguida, Secretário do irão do Rei, o Duque Banjur (futuro rei). Essa aproximação com a família real será vital para a produção do seu novo livro, os Seis livros da República (1572), escrito durante as guerras de religião e prefaciado contra os huguenotes. Finalmente, concluirá suas obras trabalhando questões como, o direito Universal, a inflação, a física aristotélica, o tratado sobre teologia e a demologia das bruxas. Essa diversificação de temas faz com que o autor seja considerado um renascentista, isto é, aquele que escreve sobre todas as áreas do conhecimento, ainda que a ênfase seja em Direito, Política, Soberania.
 
1.3- Conceitos:

A principal obra de Jean Bodin é o Seis Livros da República escrito em 1572. Nesse livro, a relevância de seus estudos fundamenta-se em primeiro lugar, na capacidade de organizar um estudo sobre o tema, já que desde o século XIII existe autores analisando isso. Em segundo lugar, é uma teoria que pensa o Estado Moderno, portanto todos os autores seguintes irão beber da sua fonte. Finalmente, em terceiro lugar está a centralização do conceito de soberania como elemento primordial na constituição de um Estado Moderno. Nesse último aspecto, a soberania se divide em três características: indivisível, perpetua e absoluta. O aspecto da indivisibilidade está ligado a impossibilidade de o monarca dividir a soberania em várias partes. Aqui, o autor irá atacar a tradição clássica de Aristóteles, Políbio e Cícero que pensavam a melhor forma de soberania é aquela de governo misto. Esse governo era dividido, por exemplo, na forma aristotélica o governo misto (e a soberania dividida) seria o equilíbrio entre aspectos da Oligarquia e Democracia.  O aspecto da perpetuidade está ligado a continuidade da soberania no tempo. E o aspecto absoluto está ligado a ideia de poder supremo, independente, incondicional, isto é, o poder de dar as leis (poder legislativo) que somente o monarca é possuidor. Então, questiona-se o autor é um teórico do Absolutismo? Quando Jean Bodin escreveu o termo absoluto, ele demonstra que o poder do rei não é ilimitado, posto que existe mecanismos que impõe freios, tais como o direito divino e natural, a lei fundamental da República na sucessão. Dessa forma, o monarca não tem a capacidade de fazer tudo o que quiser, pois sua função está ligada a capacidade de garantir a segurança e a ordem, para tanto terá o poder de legislar. Porém, o Soberano não poderá tomar a propriedade do súdito sem o seu consentimento, não pode determinar o seu sucessor, tem o deve de cumprir os contratos, etc. 


As novas fronteiras da Europa após Westphalia

 2- O Tratado de Westphalia

 O Tratado de Westphalia instituído em 1648 é considerado um marco na História das Relações Internacionais ao trazer novidades ao sistema internacional, isto é, princípios que deram sentido ao ordenamento que se pretendia estabelecer entre os Estados, sobretudo a relação entre o Império Sacro-germânico e a França. No artigo LXXIII do referido documento, fala-se pela primeira vez no princípio de soberania ao acordar que o Imperador Sacro-germânico renunciava o território de Pignerol ao rei francês. Logo em seguida, no artigo LXXVI, diz que “a cidade de Brisac, Landgraveship da Alsatia superior e mais baixo, de Suntgau, e do Lordship provincial de dez cidades (...)” (WESTPHALIA, 1648: p.13), fazem parte do reino francês “com toda a jurisdição e soberania”. O assunto prossegue em torno da possessão dos territórios que ficariam sobre o controle da França, segundo o documento em seu artigo LXXIX: “a propriedade de lugar, de toda a jurisdição, de possessão, de todos os seus lucros, de rendimentos, de compras, de direitos... será preservado inteiramente inviolável. ” (Grifo meu. Idem. p.14). A concessão de território acordada entre os Estados francês e germânicos garantem ao sistema internacional, pela primeira vez em termos de legislação internacional, a previsão da inviolabilidade do espaço territorial, isto quer dizer que a França estava conseguindo a proteção da sua soberania perante o seu vizinho, o Império Sacro-germânico. Já no artigo LXXXVIII, o Império Sacro-germânico passa a ter soberania sobre o condado de Hawenstein, assim como em Ortnaw, Ossenburg, Gengenbach, Cellaham e Harmospach, “(...) de modo que nenhum rei da coroa da França possa ter pretensão às mesmas; ou usurpar todo e qualquer direito ou poder sobre os países citados e situados neste e no outro lado do Rhine (...)” (Idem. p.16), portanto, há no documento de solução de controvérsias a proteção ao direito dos germânicos aos territórios mencionados, especialmente se os francos tentarem conquistá-los. Mais adiante existe outra mudança de posse territorial, no artigo CI, é garantido o direito de soberania ao duque de Savoy sobre os Fiefs de Rocheveran, Olme e Casoles, perdendo a posse o Império Romano. E para finalizar, o artigo CXVII, recomenda que os assinantes do Tratado não façam conflitos para recuperar os danos e prejuízos, deixando claro que o sistema internacional de estados não aceitaria invasões territoriais para recuperar os territórios acordados. Assim, a Paz Westfaliana instituída em 1648, além de garantir a pacificação dos conflitos religiosos no continente europeu, também vai trazer o debate da soberania sobre espaços territoriais, acima de tudo, vai proteger a soberania por meio da condenação da sua violação, que representava o retorno à guerra. Os atores internacionais, sobretudo os entes estatais, passaram a ser ordenados em torno do respeito à soberania alheia.        

Considerações Finais  

O conceito de soberania observado em Jean Bodin no ano de 1572, baseado no papel do rei, isto é indivisível, perpetuo e  absoluta, foi marcado pela afirmação de um poder interno dentro de um território, no caso o próprio monarca. Após 76 anos, em 1648, o Tratado de Westphalia foi apresentado como a reunião desses poderes internos em busca de consolidar o seu espaço territorial em âmbito externo, em outras palavras, que as suas fronteiras fossem respeitadas perante a sua inviolabilidade. Observa-se que os fenômenos ainda que separados pelo tempo, mostravam complementação ao fixar as bases de poder dos Estados, o poder de império perante um território tanto de forma endógena (Bodin) quanto exógena (Westphalia)  

Bibliografia

Livros

BODIN, Jean. Les six livres de la Republique de Jean Bodin. Paris: BNF Gallica, 2007. Link para acesso:Les six livres de la Republique de Jean Bodin

BARROS, Alberto R. G. . Jean Bodin: o conceito de soberania. In: Agassiz Almeida Filho; Vinícius Soares de Campos Barros. (Org.). Novo Manual de Ciência Política. 1 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, v. 1, p. 81-108


Documentos
TRATADO DE WESTPHALIA. Westphalia: 1648.