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Angela Merkel e Dilma Roussef, retratam o dialogo continuo e profícuo entre Brasil e Alemanha |
O Discurso proferido pelo Embaixador Eduardo dos Santos, ao meu ver, é uma síntese da relação bilateral Brasil-Alemanha, perpassando pontos históricos e atuais dos temas mais presentes. Ademais, abaixo deixo os órgãos oficias e seus pensamentos sobre essa relação.
P.S: Fichem tudo!
Intervenção do Senhor
Secretário-Geral das Relações Exteriores, Embaixador Eduardo dos Santos, no
Encontro Brasil-Alemanha 2014: Visões e
Revisões
Foi com grande satisfação que aceitei o convite do
Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa para abrir este Encontro Brasil-Alemanha 2014, e o fiz por dois motivos. Em
primeiro lugar, por tratar-se de convite do Embaixador Seixas Corrêa, meu
antecessor na Secretaria-Geral das Relações Exteriores e um dos diplomatas
brasileiros mais destacados, há quase meio século servindo ao Brasil com seu
saber, sua inteligência e seu espírito público. E, em segundo lugar, por
vivermos momento de particular dinamismo nas relações entre Brasil e Alemanha.
Esse bom momento das relações bilaterais ficou mais
uma vez evidenciado no último dia 21 de março, quando o Ministro Luiz Alberto
Figueiredo Machado realizou sua primeira visita de trabalho a Berlim. Na
ocasião, o Ministro Figueiredo e o Ministro do Exterior da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, tiveram a
oportunidade de repassar a amplíssima agenda bilateral em todos os seus
quadrantes – econômico, político, educacional, cultural, ambiental, energético,
etc. – além de explorar novas possibilidades de cooperação em áreas como defesa
e segurança cibernética, aprofundando a Parceria Estratégica que une os dois
países.
A relação bilateral que temos hoje tem suas origens
nos laços antigos e densos que Brasil e Alemanha construíram ao longo do tempo. Foi
significativa a projeção que o mundo alemão teve entre nós desde que, com a
Independência, passamos a ter no trono brasileiro uma Imperatriz Habsburgo, Dona
Maria Leopoldina de Áustria. É notável o fato de que, com ela, chegada ao Brasil
em fins de 1817, veio uma plêiade de cientistas, entre os quais os naturalistas
von Spix e von Martius, cuja expedição épica pelos sertões teve o mérito de
despertar nos círculos intelectuais alemães grande interesse pelo Brasil.
Permito-me destacar, ainda, que não foi menor o
papel desempenhado por militares alemães, arregimentados pelo Major Anton von
Schaeffer, na formação do Exército brasileiro. Dois deles, tenentes engenheiros
Halfeld e Koeler, foram fundadores de Juiz de Fora e Petrópolis.
Recordo que as primeiras famílias de língua alemã
vieram estabelecer-se no Brasil antes mesmo da Independência: primeiro, os
colonos suíços, que fundaram Nova Friburgo, em 1818; depois, famílias
propriamente alemãs, que se estabelecem em Ilhéus e São Jorge, na Bahia, ainda
no reinado de Dom João VI. Em 1824, com a promulgação da primeira Constituição
brasileira, foram eliminados os óbices legais à imigração de pessoas que
professassem outra fé que não a católica romana. A nova Carta abriu as portas
para a imigração de colonos da Alemanha
setentrional, que se concentraram, sobretudo, na província de São Pedro do Rio
Grande do Sul. Estima-se que, hoje, quase 10 milhões de brasileiros tenham
ascendência alemã.
Foi inestimável a contribuição desses primeiros
alemães e de seus descendentes ao desenvolvimento do Brasil. Pelos conhecimentos
que traziam consigo, pelo engenho que lhes era inato, exerceram papel
fundamental na diversificação de nossa agricultura — de que é exemplo a
introdução do cultivo do trigo —, bem como nos processos de urbanização e
industrialização do Brasil. Se a instalação da siderúrgica Mannesmann (1954) e a
inauguração da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo (1959) constituem,
por um lado, marcos essenciais de desenvolvimento industrial brasileiro,
constituem também, por outro, capítulo central da reinserção internacional da
indústria alemã no pós-guerra.
Parece-me natural que, em virtude dos laços humanos
e econômicos criados pela via da imigração e dos investimentos, Brasil e Alemanha estivessem destinados à construção
de uma parceria estreita entre si. Dois grandes marcos desse processo ocorreram
ao longo da década de 70, com a então Alemanha Ocidental já plenamente reconstruída
e o Brasil vivendo o chamado "Milagre Econômico".
Em primeiro lugar, Brasil e Alemanha desejavam criar mecanismos para
gerir os muitos interesses convergentes e fazer frente às demandas decorrentes
da presença do capital alemão no Brasil. Fizeram-no com a criação da Comissão
Mista Brasil-Alemanha, em 1974, pela
qual o empresariado dos dois países pôde apresentar suas percepções e pleitos
diretamente a seus governos, os quais passaram a trabalhar coordenadamente para
estabelecer um ambiente de negócios cada vez mais favorável.
Em segundo lugar, também em meados dos anos 70, o
Brasil buscou na Alemanha o parceiro de
que necessitava para um projeto verdadeiramente estratégico, qual seja a
exploração pacífica da energia nuclear. Parcerias sólidas entre instituições de
pesquisa científica e tecnológica e entre empresas dos dois países nasceram com
o Acordo Nuclear de 1975.
Aos dois marcos referidos, agregaria um terceiro
marco, que se revelou elemento potencializador da relação bilateral a partir de
então. Refiro-me à criação do G4, em setembro de 2004, instância promotora do
pleito de Brasil, Alemanha, Japão e
Índia por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A
criação do G4 dá-se em momento de auspiciosa convergência entre Brasil e Alemanha no campo da política exterior. Ao
mesmo tempo em que o Brasil, com a economia em ordem, retoma uma política
externa mais ativa e autônoma, também a Alemanha modifica a política exterior
relativamente discreta que praticou desde a Segunda Guerra Mundial.
Este é, em linhas gerais, o alicerce sobre o qual se
desenvolvem hoje as relações entre o Brasil e a Alemanha. Esse relacionamento singulariza-se
por três características principais: (1) nossas relações econômicas são marcadas
por diversidade e vigor excepcionais; (2) nosso diálogo político sobre temas de
interesse mútuo e sobre os grandes assuntos da governança, paz, segurança e
prosperidade globais é intenso e maduro; (3) nossa cooperação nos campos
científico, tecnológico, educacional e cultural é significativa.
O reconhecimento, por ambos os países, da
importância, variedade e intensidade de nossas relações bilaterais
consubstanciou-se, em 2002, na sua elevação ao grau de Parceria Estratégica.
No plano político, nossas relações bilaterais são
marcadas por ampla convergência de percepções, valores e interesses, o que tem
permitido atuação conjunta em diversas questões globais, como o combate à fome,
a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a defesa do direito à
privacidade na era digital.
Tal convergência reflete-se na elevada frequência de
encontros de alto nível entre os mandatários do Brasil e da Alemanha nas últimas décadas. Recordo que a
primeira visita realizada pelo Chanceler Federal da Alemanha a um país não europeu depois da
reunificação, em 1991, teve o Brasil como destino. Desde aquela visita do então
Chanceler Kohl, os contatos entre o Presidente do Brasil e o Chanceler Federal
ou o Presidente da Alemanha têm-se
dado, praticamente, em bases anuais — seja no Brasil, seja na Alemanha, seja à margem de encontros
multilaterais.
A Presidenta Dilma Rousseff e a Chanceler Angela
Merkel mantiveram, nos últimos três anos, quatro encontros bilaterais. Há a
perspectiva de uma visita oficial da Chanceler alemã em meados do ano, e de
elevação do diálogo bilateral ao status de Consultas Políticas de Alto
Nível.
No plano econômico, recordemos que nossas trocas
comerciais mais do que triplicaram ao longo da década passada, sendo a Alemanha, hoje, o quarto maior parceiro
comercial do Brasil (depois da China, dos EUA e da Argentina) e nosso maior
parceiro na União Europeia. Também é verdade, no entanto, que as cifras
recentes, de 2012 para cá, registram uma perda de dinamismo em nossas trocas,
que precisamos saber superar com alternativas inovadoras. Voltarei a este tema
mais adiante.
É preciso que se diga que as relações econômicas
Brasil-Alemanha vão muito além do
comércio. As cerca de 1.600 empresas alemãs presentes, hoje, no Brasil,
respondem por cerca de 8 a 10% do PIB industrial brasileiro. Somente no Estado
de São Paulo, são mais de 800 empresas, que geram aproximadamente 250 mil
empregos diretos. Pela eloquência desses números, faz sentido afirmar que São
Paulo é a maior cidade industrial alemã fora da Alemanha.
Esse relacionamento intenso, no âmbito econômico,
beneficia-se de um arcabouço institucional há muito consolidado. A Comissão
Mista Brasil-Alemanha de Cooperação
Econômica existe desde 1974, reunindo-se todos os anos, alternadamente, em um e
outro país. Normalmente, cabe ao Secretário-Geral do Itamaraty e ao Presidente
da Confederação Nacional da Indústria (CNI) chefiarem a delegação brasileira, ao
passo que a delegação alemã é chefiada pelo Vice-Ministro da Economia e pelo
Presidente da Federação das Indústrias Alemãs. Em 2013, tive a grande satisfação
de presidir, em São Paulo, a quadragésima edição da reunião da Comissão.
O segundo foro de cooperação econômica é o Encontro
Econômico Brasil-Alemanha, que reúne,
anualmente, expoentes do setor privado dos dois países. Os Encontros, com
duração de dois ou três dias, reúnem, em média, 600 participantes. A edição de
2013 contou com a presença da Presidenta Dilma Rousseff e do Presidente Federal
Joachim Gauck.
Há pouco mencionei o menor dinamismo de nossas
trocas a partir de 2012. O Governo brasileiro tem a percepção de que uma maior
participação de pequenas e médias empresas nas relações econômicas bilaterais
contribuiria não apenas para aumentar as cifras de comércio e investimento, mas
também para diversificar as exportações brasileiras para a Alemanha e intensificar a transferência de
tecnologia alemã ao Brasil. As vendas brasileiras estão limitadas a número
relativamente pequeno de grandes firmas, ao passo que, no sentido inverso, as
exportações alemãs englobam grande número de empresas, muitas das quais médias e
pequenas, que produzem bens de alto valor agregado. Nesse contexto, é
fundamental estreitar os laços entre as pequenas e médias empresas brasileiras e
alemãs por meio da criação de joint ventures e iniciativas conjuntas de
pesquisa.
Tais joint ventures devem ser construídas em torno
de projetos orientados para a inovação e que envolvam articulação com parques
tecnológicos do Brasil. A cooperação no âmbito das pequenas e médias empresas
brasileiras e alemãs deve conjugar a parceria empresarial com os recursos de
pesquisa e desenvolvimento dos dois países. Isso requer, sem dúvida, visão e
investimento por parte da iniciativa privada, mas demanda, igualmente, o empenho
e o apoio dos governos e das suas instituições.
Devemos ser ambiciosos. Nossa cooperação bilateral
em pequenas e médias empresas deve contemplar setores de ponta, como a
biotecnologia, a indústria aeroespacial, a nanotecnologia, as tecnologias
ambientais e a microeletrônica, entre outros. O motor flex-fuel, que foi
desenvolvido no Brasil por subsidiárias da Volkswagen e da Bosch, é um bom
exemplo do patamar de cooperação a que devemos almejar.
Gostaria, igualmente, de salientar o avanço, nos
últimos anos, da cooperação bilateral em ciência, tecnologia e inovação — um
esforço antigo e bem sucedido: celebramos, este ano, 45 anos da assinatura do
primeiro Acordo Geral de Cooperação sobre Ciência e Tecnologia. Ao longo dos
anos, a cooperação estabelecida nessa área tem dedicado a ênfase necessária à
formação e intercâmbio de pesquisadores. A realização do Ano Brasil-Alemanha de Ciência, Tecnologia e Inovação,
em 2010/2011, bem como a visita da Presidenta Dilma Rousseff à Alemanha, em 2012, no contexto da feira
tecnológica CeBIT — a maior feira mundial no setor de tecnologias da informação,
que em 2012 teve o Brasil como país-tema —, ofereceram oportunidade singular
para a atualização da agenda científica e tecnológica entre nossos países.
No tocante ao Ano Brasil-Alemanha de Ciência, Tecnologia e inovação,
ressalto, como seguimento particularmente importante, o acordo celebrado entre o
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e a Sociedade Fraunhofer, em
junho de 2012. A Sociedade Fraunhofer é a maior organização de pesquisa aplicada
da Europa e exemplo de instituição de excelência na promoção da pesquisa e da
inovação.
O acordo entre o SENAI e a Fraunhofer permitiu a
criação, no Brasil, dos Institutos SENAI de Inovação, que proverão soluções
tecnológicas e de gestão a empresas interessadas em agregar conhecimento a suas
linhas de produção. Trata-se, portanto, de valioso instrumento para o
aprimoramento da competitividade das empresas de nosso País.
Ainda na área de inovação, temos conseguido bons
resultados ao fomentar parcerias com foco na pesquisa aplicada. A cooperação
entre a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII) e a
Sociedade Fraunhofer é exemplo de êxito nesse sentido – mas podemos avançar
ainda mais, com a intensificação da colaboração entre Governos, institutos de
pesquisa e setor privado visando a unir pesquisa, inovação e produção.
No campo educacional, temos alcançado avanços dignos
de nota em nossa cooperação. O Programa Ciência sem Fronteiras tem na Alemanha um de seus parceiros mais
importantes. Universidades alemãs já receberam mais de 4 mil alunos brasileiros
sob os auspícios desse programa. Os estudantes brasileiros na Alemanha, além da experiência propriamente
acadêmica, também aprimoram sua formação por meio de estágios em empresas
alemãs. Estou seguro de que esse esforço será proveitoso não só para a sociedade
brasileira, mas para o próprio relacionamento bilateral, na medida em que esses
alunos tornam-se agentes disseminadores da cultura alemã e, ao mesmo tempo,
capacitam-se para trabalhar nas mesmas empresas que constituem a espinha dorsal
de nossa parceria.
A cooperação em energia constitui outro eixo
importante das relações bilaterais entre o Brasil e a Alemanha. Os dois países ocupam posição de
liderança no desenvolvimento de tecnologias no âmbito das energias renováveis e
atribuem grande importância à dimensão da sustentabilidade na implementação de
suas políticas energéticas. Vejo como especialmente promissora a intensificação
da cooperação bilateral nos campos da energia solar e da energia eólica, pelos
investimentos já feitos por empresas alemãs neste campo e pelas condições únicas
— climáticas, mas também pelo potencial ainda inexplorado de seu mercado — que o
Brasil oferece para o desenvolvimento do setor.
Quero ressaltar, ainda, a cooperação na área
cultural. Sabemos do vivo e crescente interesse do público alemão pela cultura
brasileira. Sublinho, particularmente, a participação do Brasil na última Feira
do Livro de Frankfurt, maior encontro mundial do setor editorial. O Brasil foi,
em 2013, pela segunda vez, país-tema da feira. Foram quase 300 mil visitantes,
que tiveram a oportunidade de travar contato com as obras de nomes expressivos
de nossa literatura.
Refiro-me, por último, ao diálogo político. Há
vários níveis de convergência entre o Brasil e a Alemanha sobre os grandes temas da agenda
internacional. Essa convergência manifesta-se, sobretudo, nas posições comuns
sobre temas como reforma do Conselho de Segurança da ONU, meio ambiente e
direitos humanos.
Recentemente, tivemos uma ilustração das
potencialidades desse diálogo com a aprovação, por unanimidade, na Assembleia
Geral das Nações Unidas, do projeto de resolução teuto-brasileiro sobre a defesa
do direito à privacidade na era digital. Recorde-se que as recentes revelações
sobre o uso indiscriminado do monitoramento de informações afetaram de maneira
muito particular Brasil e Alemanha. A
aprovação da resolução por unanimidade demonstrou de forma eloqüente a
capacidade que têm os dois países, juntos — pelos valores que professam, pela
credibilidade diplomática de que souberam dotar-se, ao longo das décadas —, de
arregimentar apoios entre os interlocutores mais diversos, na defesa de valores
universais.
Em essência, por tudo o que acabo de expor — pelo
patrimônio construído ao longo dos anos, pelos laços humanos e materiais que nos
unem à Alemanha, pela excelência de
nosso diálogo político e pela variedade e profundidade de nossa cooperação —,
torna-se inescapável a conclusão de que a Alemanha é, hoje, um dos parceiros centrais
do Brasil em sua política exterior. Trabalhamos nesse sentido na convicção de
que os progressos alcançados pelo Brasil, as dimensões de seu mercado, o
dinamismo de sua economia e seu crescente peso internacional o tornam,
igualmente, um sócio privilegiado aos olhos alemães.
Os Governos de Brasil e Alemanha querem intensificar ainda mais esse
diálogo e essa cooperação por meio do engajamento das próprias Chefas de Governo
em consultas políticas regulares, de que participará número expressivo de
Ministros dos dois lados. Esperamos, por esse mecanismo, promover novas avenidas
de cooperação em domínios estratégicos, como energia ou produtos de defesa,
ciência e tecnologia e cibersegurança, e aprofundar o diálogo sobre as grandes
questões relacionadas à paz, segurança e prosperidade globais. Estamos certos,
no Itamaraty, de que esse mecanismo contribuirá para solidificar o lugar das
relações Brasil-Alemanha nas políticas
exteriores dos dois países. É esta, em essência, a aposta que fazem a Presidenta
Dilma Rousseff e a Chanceler Angela Merkel ao comprometerem-se formalmente a
manter esse diálogo periódico. Estou certo de que, no futuro, a parceria
Brasil-Alemanha será cada vez mais
importante e estratégica para a própria projeção internacional de nossos
países.
Obrigado.
1) Relações Bilaterais
1.1) Relações bilaterais na perspectiva brasileira
Visitas em 2014:
2) Política Externa alemã:
P.s²: Leiam o Kissinger, em "Diplomacia", para entender a origem e o fundamento da Realpolitik.