"Proclamação da República" - Benedeito Calixto (1893) |
A Barba, o Imperador e a República
Assustando-me. Foi assim que acordei após um pesadelo, deveras, indescritível. Sonhei que não possuía mais o traço de fina elegância, de experiência, em suma, de um Monarca esclarecido. Logo ela. O símbolo de minha existência, que desde os 14 anos deixei a crescer para dar-me condição necessária de acesso ao trono. Ora pois, Ela que existe por 50 anos, fruto de uma estabilidade nunca vista pelos trópicos, no qual republiquetas se sucedem em nome de ideais sem ideias. Mas porquê ainda mantenho-a? Vós sabeis a minha precedência, sou um soberano-cientista, profundo conhecedor dos mais distintos progressos humanos, atuante no IHGB, onde sempre faço, com pompa e honra, a abertura anual. Comparável a um mecenas, financiei literários, publiquei em jornais, e como amante do pensamento livre, deixei os burburinhos republicanos e abolicionistas fluírem. Sendo assim, não seria um ato iluminado sacar-te, minha Barba? Não estou em público, por sinal esse antro mestiçado, cheio da gente de cor, há um ano livre, graças a minha pequena infante. Faz tempo, pequena grande Barba, que quero me livrar de vós, e permaneço porque este é o meu destino como Bourboun. Vistes como sou um monarca avant la lettre, pequena grande Barba?
Aquele corpo encurvado, velho, desgastado, barbudo então levantou-se da cama. Como uma força da natureza, um átomo imparável, foi ao banheiro. Estava decidido a cometer aquele crime lesa pátria. Olhou em frente ao espelho. Levemente passou às mãos calejadas sobre o pescoço. Pensou, calculou, analisou, como um bom pesquisador o faria. E começou aquele processo. Lento, gradual, calmo, estável, sem reação. Cortou o primeiro pelo, e vejam, uma leve lágrima saiu de seus olhos. Lembrou-se do dia em que fora coroado, o povo saudando: "Queremos Pedro II. Embora não tenha idade! A Nação dispensa a lei. E viva a maioridade!" Lindo, perfeito, ele pensou. E cortou metade daquele linho de ovelha, branco, incolor, cinzento. De repente, a porta de seu quarto começou a ser incomodada. Mas naquele ato, digno e real, o Imperador mal tinha tempo e concentração para outra coisa. Ora, a primeira vez não se olvida, por certo? E continuou naquele ato de trabalho, vulgar em verdade, impróprio a Ele, mas um ato constitucionalmente avançado. Por falar em Constituição, como esquecer da Carta Maior, a obra mais bela da humanidade, outorgada e presenteada por meu pai? E seguiu empolgado a cortar. Cada vez mais o espelho refletia um Pedro renovado. Estranho. Remetia a um outro tempo. Vistes como não custou, pequena grande Barba? Quando finalmente cortou o último fio, velo de ouro! Gritou desvairado: Viva! Ao mesmo tempo, o criado desesperado arrancou a porta do quarto. Suando naquela pele mulata, com a cara pálida e brasileira, disse: Terminou! Por coincidência, o renovado Bourboun dissera o mesmo vocábulo. Ambos se entreolharam, e o Imperador perguntou: Meu jovem, como ousais invadir o quarto de Sua Alteza? E o criado olhando ao chão, voltou a dizer, terminou! O Quê? Minha gloriosa Barba após 58 anos? Terminou, meu senhor! Sim, jubilei seus serviços, embora sinta um pesar imenso. Vossa Alteza, terminou! E quanto mais tentava falar, mais era interrompido. Sabeis, pequeno criado, que obra maior não fizera em todo o Império? TER-MI-NOOOOOOOÔ! Diante da insistência do jovem ser, o Bourboun com toda a cólera e altivez diz: Terminei sim! Não meu senhor, responde o serviçal. Hã? -replica o Distinto. Vossa Alteza, terminou o Império, e começou a República. Silêncio. Ambos ficaram Bestializados.
Assustando-me. Foi assim que acordei após um pesadelo, deveras, indescritível. Sonhei que não possuía mais o traço de fina elegância, de experiência, em suma, de um Monarca esclarecido. Logo ela. O símbolo de minha existência, que desde os 14 anos deixei a crescer para dar-me condição necessária de acesso ao trono. Ora pois, Ela que existe por 50 anos, fruto de uma estabilidade nunca vista pelos trópicos, no qual republiquetas se sucedem em nome de ideais sem ideias. Mas porquê ainda mantenho-a? Vós sabeis a minha precedência, sou um soberano-cientista, profundo conhecedor dos mais distintos progressos humanos, atuante no IHGB, onde sempre faço, com pompa e honra, a abertura anual. Comparável a um mecenas, financiei literários, publiquei em jornais, e como amante do pensamento livre, deixei os burburinhos republicanos e abolicionistas fluírem. Sendo assim, não seria um ato iluminado sacar-te, minha Barba? Não estou em público, por sinal esse antro mestiçado, cheio da gente de cor, há um ano livre, graças a minha pequena infante. Faz tempo, pequena grande Barba, que quero me livrar de vós, e permaneço porque este é o meu destino como Bourboun. Vistes como sou um monarca avant la lettre, pequena grande Barba?
Aquele corpo encurvado, velho, desgastado, barbudo então levantou-se da cama. Como uma força da natureza, um átomo imparável, foi ao banheiro. Estava decidido a cometer aquele crime lesa pátria. Olhou em frente ao espelho. Levemente passou às mãos calejadas sobre o pescoço. Pensou, calculou, analisou, como um bom pesquisador o faria. E começou aquele processo. Lento, gradual, calmo, estável, sem reação. Cortou o primeiro pelo, e vejam, uma leve lágrima saiu de seus olhos. Lembrou-se do dia em que fora coroado, o povo saudando: "Queremos Pedro II. Embora não tenha idade! A Nação dispensa a lei. E viva a maioridade!" Lindo, perfeito, ele pensou. E cortou metade daquele linho de ovelha, branco, incolor, cinzento. De repente, a porta de seu quarto começou a ser incomodada. Mas naquele ato, digno e real, o Imperador mal tinha tempo e concentração para outra coisa. Ora, a primeira vez não se olvida, por certo? E continuou naquele ato de trabalho, vulgar em verdade, impróprio a Ele, mas um ato constitucionalmente avançado. Por falar em Constituição, como esquecer da Carta Maior, a obra mais bela da humanidade, outorgada e presenteada por meu pai? E seguiu empolgado a cortar. Cada vez mais o espelho refletia um Pedro renovado. Estranho. Remetia a um outro tempo. Vistes como não custou, pequena grande Barba? Quando finalmente cortou o último fio, velo de ouro! Gritou desvairado: Viva! Ao mesmo tempo, o criado desesperado arrancou a porta do quarto. Suando naquela pele mulata, com a cara pálida e brasileira, disse: Terminou! Por coincidência, o renovado Bourboun dissera o mesmo vocábulo. Ambos se entreolharam, e o Imperador perguntou: Meu jovem, como ousais invadir o quarto de Sua Alteza? E o criado olhando ao chão, voltou a dizer, terminou! O Quê? Minha gloriosa Barba após 58 anos? Terminou, meu senhor! Sim, jubilei seus serviços, embora sinta um pesar imenso. Vossa Alteza, terminou! E quanto mais tentava falar, mais era interrompido. Sabeis, pequeno criado, que obra maior não fizera em todo o Império? TER-MI-NOOOOOOOÔ! Diante da insistência do jovem ser, o Bourboun com toda a cólera e altivez diz: Terminei sim! Não meu senhor, responde o serviçal. Hã? -replica o Distinto. Vossa Alteza, terminou o Império, e começou a República. Silêncio. Ambos ficaram Bestializados.
Quanta falta nos faz A barba, dedicadas a formação do Brasil como nação. Quanta ânsia nos causa, agora, nesta decadente república, a prisão d'O barba, que solapou à 9 dedos esta mesma nação.
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