domingo, 19 de outubro de 2014

Brasil - Alemanha: Uma parceria estratégica (e nem tão fria...)

Angela Merkel e Dilma Roussef, retratam o dialogo continuo e profícuo entre Brasil e Alemanha


O Discurso proferido pelo Embaixador Eduardo dos Santos, ao meu ver, é uma síntese da relação bilateral Brasil-Alemanha, perpassando pontos históricos e atuais dos temas mais presentes. Ademais, abaixo deixo os órgãos oficias e seus pensamentos sobre essa relação.

P.S: Fichem tudo!
 
 
Intervenção do Senhor Secretário-Geral das Relações Exteriores, Embaixador Eduardo dos Santos, no Encontro Brasil-Alemanha 2014: Visões e Revisões
 
Foi com grande satisfação que aceitei o convite do Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa para abrir este Encontro Brasil-Alemanha 2014, e o fiz por dois motivos. Em primeiro lugar, por tratar-se de convite do Embaixador Seixas Corrêa, meu antecessor na Secretaria-Geral das Relações Exteriores e um dos diplomatas brasileiros mais destacados, há quase meio século servindo ao Brasil com seu saber, sua inteligência e seu espírito público. E, em segundo lugar, por vivermos momento de particular dinamismo nas relações entre Brasil e Alemanha.
Esse bom momento das relações bilaterais ficou mais uma vez evidenciado no último dia 21 de março, quando o Ministro Luiz Alberto Figueiredo Machado realizou sua primeira visita de trabalho a Berlim. Na ocasião, o Ministro Figueiredo e o Ministro do Exterior da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, tiveram a oportunidade de repassar a amplíssima agenda bilateral em todos os seus quadrantes – econômico, político, educacional, cultural, ambiental, energético, etc. – além de explorar novas possibilidades de cooperação em áreas como defesa e segurança cibernética, aprofundando a Parceria Estratégica que une os dois países.
A relação bilateral que temos hoje tem suas origens nos laços antigos e densos que Brasil e Alemanha construíram ao longo do tempo. Foi significativa a projeção que o mundo alemão teve entre nós desde que, com a Independência, passamos a ter no trono brasileiro uma Imperatriz Habsburgo, Dona Maria Leopoldina de Áustria. É notável o fato de que, com ela, chegada ao Brasil em fins de 1817, veio uma plêiade de cientistas, entre os quais os naturalistas von Spix e von Martius, cuja expedição épica pelos sertões teve o mérito de despertar nos círculos intelectuais alemães grande interesse pelo Brasil.
Permito-me destacar, ainda, que não foi menor o papel desempenhado por militares alemães, arregimentados pelo Major Anton von Schaeffer, na formação do Exército brasileiro. Dois deles, tenentes engenheiros Halfeld e Koeler, foram fundadores de Juiz de Fora e Petrópolis.
Recordo que as primeiras famílias de língua alemã vieram estabelecer-se no Brasil antes mesmo da Independência: primeiro, os colonos suíços, que fundaram Nova Friburgo, em 1818; depois, famílias propriamente alemãs, que se estabelecem em Ilhéus e São Jorge, na Bahia, ainda no reinado de Dom João VI. Em 1824, com a promulgação da primeira Constituição brasileira, foram eliminados os óbices legais à imigração de pessoas que professassem outra fé que não a católica romana. A nova Carta abriu as portas para a imigração de colonos da Alemanha setentrional, que se concentraram, sobretudo, na província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Estima-se que, hoje, quase 10 milhões de brasileiros tenham ascendência alemã.
Foi inestimável a contribuição desses primeiros alemães e de seus descendentes ao desenvolvimento do Brasil. Pelos conhecimentos que traziam consigo, pelo engenho que lhes era inato, exerceram papel fundamental na diversificação de nossa agricultura — de que é exemplo a introdução do cultivo do trigo —, bem como nos processos de urbanização e industrialização do Brasil. Se a instalação da siderúrgica Mannesmann (1954) e a inauguração da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo (1959) constituem, por um lado, marcos essenciais de desenvolvimento industrial brasileiro, constituem também, por outro, capítulo central da reinserção internacional da indústria alemã no pós-guerra.
Parece-me natural que, em virtude dos laços humanos e econômicos criados pela via da imigração e dos investimentos, Brasil e Alemanha estivessem destinados à construção de uma parceria estreita entre si. Dois grandes marcos desse processo ocorreram ao longo da década de 70, com a então Alemanha Ocidental já plenamente reconstruída e o Brasil vivendo o chamado "Milagre Econômico".
Em primeiro lugar, Brasil e Alemanha desejavam criar mecanismos para gerir os muitos interesses convergentes e fazer frente às demandas decorrentes da presença do capital alemão no Brasil. Fizeram-no com a criação da Comissão Mista Brasil-Alemanha, em 1974, pela qual o empresariado dos dois países pôde apresentar suas percepções e pleitos diretamente a seus governos, os quais passaram a trabalhar coordenadamente para estabelecer um ambiente de negócios cada vez mais favorável.
Em segundo lugar, também em meados dos anos 70, o Brasil buscou na Alemanha o parceiro de que necessitava para um projeto verdadeiramente estratégico, qual seja a exploração pacífica da energia nuclear. Parcerias sólidas entre instituições de pesquisa científica e tecnológica e entre empresas dos dois países nasceram com o Acordo Nuclear de 1975.
Aos dois marcos referidos, agregaria um terceiro marco, que se revelou elemento potencializador da relação bilateral a partir de então. Refiro-me à criação do G4, em setembro de 2004, instância promotora do pleito de Brasil, Alemanha, Japão e Índia por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A criação do G4 dá-se em momento de auspiciosa convergência entre Brasil e Alemanha no campo da política exterior. Ao mesmo tempo em que o Brasil, com a economia em ordem, retoma uma política externa mais ativa e autônoma, também a Alemanha modifica a política exterior relativamente discreta que praticou desde a Segunda Guerra Mundial.
Este é, em linhas gerais, o alicerce sobre o qual se desenvolvem hoje as relações entre o Brasil e a Alemanha. Esse relacionamento singulariza-se por três características principais: (1) nossas relações econômicas são marcadas por diversidade e vigor excepcionais; (2) nosso diálogo político sobre temas de interesse mútuo e sobre os grandes assuntos da governança, paz, segurança e prosperidade globais é intenso e maduro; (3) nossa cooperação nos campos científico, tecnológico, educacional e cultural é significativa.
O reconhecimento, por ambos os países, da importância, variedade e intensidade de nossas relações bilaterais consubstanciou-se, em 2002, na sua elevação ao grau de Parceria Estratégica.
No plano político, nossas relações bilaterais são marcadas por ampla convergência de percepções, valores e interesses, o que tem permitido atuação conjunta em diversas questões globais, como o combate à fome, a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a defesa do direito à privacidade na era digital.
Tal convergência reflete-se na elevada frequência de encontros de alto nível entre os mandatários do Brasil e da Alemanha nas últimas décadas. Recordo que a primeira visita realizada pelo Chanceler Federal da Alemanha a um país não europeu depois da reunificação, em 1991, teve o Brasil como destino. Desde aquela visita do então Chanceler Kohl, os contatos entre o Presidente do Brasil e o Chanceler Federal ou o Presidente da Alemanha têm-se dado, praticamente, em bases anuais — seja no Brasil, seja na Alemanha, seja à margem de encontros multilaterais.
A Presidenta Dilma Rousseff e a Chanceler Angela Merkel mantiveram, nos últimos três anos, quatro encontros bilaterais. Há a perspectiva de uma visita oficial da Chanceler alemã em meados do ano, e de elevação do diálogo bilateral ao status de Consultas Políticas de Alto Nível.
No plano econômico, recordemos que nossas trocas comerciais mais do que triplicaram ao longo da década passada, sendo a Alemanha, hoje, o quarto maior parceiro comercial do Brasil (depois da China, dos EUA e da Argentina) e nosso maior parceiro na União Europeia. Também é verdade, no entanto, que as cifras recentes, de 2012 para cá, registram uma perda de dinamismo em nossas trocas, que precisamos saber superar com alternativas inovadoras. Voltarei a este tema mais adiante.
É preciso que se diga que as relações econômicas Brasil-Alemanha vão muito além do comércio. As cerca de 1.600 empresas alemãs presentes, hoje, no Brasil, respondem por cerca de 8 a 10% do PIB industrial brasileiro. Somente no Estado de São Paulo, são mais de 800 empresas, que geram aproximadamente 250 mil empregos diretos. Pela eloquência desses números, faz sentido afirmar que São Paulo é a maior cidade industrial alemã fora da Alemanha.
Esse relacionamento intenso, no âmbito econômico, beneficia-se de um arcabouço institucional há muito consolidado. A Comissão Mista Brasil-Alemanha de Cooperação Econômica existe desde 1974, reunindo-se todos os anos, alternadamente, em um e outro país. Normalmente, cabe ao Secretário-Geral do Itamaraty e ao Presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) chefiarem a delegação brasileira, ao passo que a delegação alemã é chefiada pelo Vice-Ministro da Economia e pelo Presidente da Federação das Indústrias Alemãs. Em 2013, tive a grande satisfação de presidir, em São Paulo, a quadragésima edição da reunião da Comissão.
O segundo foro de cooperação econômica é o Encontro Econômico Brasil-Alemanha, que reúne, anualmente, expoentes do setor privado dos dois países. Os Encontros, com duração de dois ou três dias, reúnem, em média, 600 participantes. A edição de 2013 contou com a presença da Presidenta Dilma Rousseff e do Presidente Federal Joachim Gauck.
Há pouco mencionei o menor dinamismo de nossas trocas a partir de 2012. O Governo brasileiro tem a percepção de que uma maior participação de pequenas e médias empresas nas relações econômicas bilaterais contribuiria não apenas para aumentar as cifras de comércio e investimento, mas também para diversificar as exportações brasileiras para a Alemanha e intensificar a transferência de tecnologia alemã ao Brasil. As vendas brasileiras estão limitadas a número relativamente pequeno de grandes firmas, ao passo que, no sentido inverso, as exportações alemãs englobam grande número de empresas, muitas das quais médias e pequenas, que produzem bens de alto valor agregado. Nesse contexto, é fundamental estreitar os laços entre as pequenas e médias empresas brasileiras e alemãs por meio da criação de joint ventures e iniciativas conjuntas de pesquisa.
Tais joint ventures devem ser construídas em torno de projetos orientados para a inovação e que envolvam articulação com parques tecnológicos do Brasil. A cooperação no âmbito das pequenas e médias empresas brasileiras e alemãs deve conjugar a parceria empresarial com os recursos de pesquisa e desenvolvimento dos dois países. Isso requer, sem dúvida, visão e investimento por parte da iniciativa privada, mas demanda, igualmente, o empenho e o apoio dos governos e das suas instituições.
Devemos ser ambiciosos. Nossa cooperação bilateral em pequenas e médias empresas deve contemplar setores de ponta, como a biotecnologia, a indústria aeroespacial, a nanotecnologia, as tecnologias ambientais e a microeletrônica, entre outros. O motor flex-fuel, que foi desenvolvido no Brasil por subsidiárias da Volkswagen e da Bosch, é um bom exemplo do patamar de cooperação a que devemos almejar.
Gostaria, igualmente, de salientar o avanço, nos últimos anos, da cooperação bilateral em ciência, tecnologia e inovação — um esforço antigo e bem sucedido: celebramos, este ano, 45 anos da assinatura do primeiro Acordo Geral de Cooperação sobre Ciência e Tecnologia. Ao longo dos anos, a cooperação estabelecida nessa área tem dedicado a ênfase necessária à formação e intercâmbio de pesquisadores. A realização do Ano Brasil-Alemanha de Ciência, Tecnologia e Inovação, em 2010/2011, bem como a visita da Presidenta Dilma Rousseff à Alemanha, em 2012, no contexto da feira tecnológica CeBIT — a maior feira mundial no setor de tecnologias da informação, que em 2012 teve o Brasil como país-tema —, ofereceram oportunidade singular para a atualização da agenda científica e tecnológica entre nossos países.
No tocante ao Ano Brasil-Alemanha de Ciência, Tecnologia e inovação, ressalto, como seguimento particularmente importante, o acordo celebrado entre o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e a Sociedade Fraunhofer, em junho de 2012. A Sociedade Fraunhofer é a maior organização de pesquisa aplicada da Europa e exemplo de instituição de excelência na promoção da pesquisa e da inovação.
O acordo entre o SENAI e a Fraunhofer permitiu a criação, no Brasil, dos Institutos SENAI de Inovação, que proverão soluções tecnológicas e de gestão a empresas interessadas em agregar conhecimento a suas linhas de produção. Trata-se, portanto, de valioso instrumento para o aprimoramento da competitividade das empresas de nosso País.
Ainda na área de inovação, temos conseguido bons resultados ao fomentar parcerias com foco na pesquisa aplicada. A cooperação entre a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII) e a Sociedade Fraunhofer é exemplo de êxito nesse sentido – mas podemos avançar ainda mais, com a intensificação da colaboração entre Governos, institutos de pesquisa e setor privado visando a unir pesquisa, inovação e produção.
No campo educacional, temos alcançado avanços dignos de nota em nossa cooperação. O Programa Ciência sem Fronteiras tem na Alemanha um de seus parceiros mais importantes. Universidades alemãs já receberam mais de 4 mil alunos brasileiros sob os auspícios desse programa. Os estudantes brasileiros na Alemanha, além da experiência propriamente acadêmica, também aprimoram sua formação por meio de estágios em empresas alemãs. Estou seguro de que esse esforço será proveitoso não só para a sociedade brasileira, mas para o próprio relacionamento bilateral, na medida em que esses alunos tornam-se agentes disseminadores da cultura alemã e, ao mesmo tempo, capacitam-se para trabalhar nas mesmas empresas que constituem a espinha dorsal de nossa parceria.
A cooperação em energia constitui outro eixo importante das relações bilaterais entre o Brasil e a Alemanha. Os dois países ocupam posição de liderança no desenvolvimento de tecnologias no âmbito das energias renováveis e atribuem grande importância à dimensão da sustentabilidade na implementação de suas políticas energéticas. Vejo como especialmente promissora a intensificação da cooperação bilateral nos campos da energia solar e da energia eólica, pelos investimentos já feitos por empresas alemãs neste campo e pelas condições únicas — climáticas, mas também pelo potencial ainda inexplorado de seu mercado — que o Brasil oferece para o desenvolvimento do setor.
Quero ressaltar, ainda, a cooperação na área cultural. Sabemos do vivo e crescente interesse do público alemão pela cultura brasileira. Sublinho, particularmente, a participação do Brasil na última Feira do Livro de Frankfurt, maior encontro mundial do setor editorial. O Brasil foi, em 2013, pela segunda vez, país-tema da feira. Foram quase 300 mil visitantes, que tiveram a oportunidade de travar contato com as obras de nomes expressivos de nossa literatura.
Refiro-me, por último, ao diálogo político. Há vários níveis de convergência entre o Brasil e a Alemanha sobre os grandes temas da agenda internacional. Essa convergência manifesta-se, sobretudo, nas posições comuns sobre temas como reforma do Conselho de Segurança da ONU, meio ambiente e direitos humanos.
Recentemente, tivemos uma ilustração das potencialidades desse diálogo com a aprovação, por unanimidade, na Assembleia Geral das Nações Unidas, do projeto de resolução teuto-brasileiro sobre a defesa do direito à privacidade na era digital. Recorde-se que as recentes revelações sobre o uso indiscriminado do monitoramento de informações afetaram de maneira muito particular Brasil e Alemanha. A aprovação da resolução por unanimidade demonstrou de forma eloqüente a capacidade que têm os dois países, juntos — pelos valores que professam, pela credibilidade diplomática de que souberam dotar-se, ao longo das décadas —, de arregimentar apoios entre os interlocutores mais diversos, na defesa de valores universais.
Em essência, por tudo o que acabo de expor — pelo patrimônio construído ao longo dos anos, pelos laços humanos e materiais que nos unem à Alemanha, pela excelência de nosso diálogo político e pela variedade e profundidade de nossa cooperação —, torna-se inescapável a conclusão de que a Alemanha é, hoje, um dos parceiros centrais do Brasil em sua política exterior. Trabalhamos nesse sentido na convicção de que os progressos alcançados pelo Brasil, as dimensões de seu mercado, o dinamismo de sua economia e seu crescente peso internacional o tornam, igualmente, um sócio privilegiado aos olhos alemães.
Os Governos de Brasil e Alemanha querem intensificar ainda mais esse diálogo e essa cooperação por meio do engajamento das próprias Chefas de Governo em consultas políticas regulares, de que participará número expressivo de Ministros dos dois lados. Esperamos, por esse mecanismo, promover novas avenidas de cooperação em domínios estratégicos, como energia ou produtos de defesa, ciência e tecnologia e cibersegurança, e aprofundar o diálogo sobre as grandes questões relacionadas à paz, segurança e prosperidade globais. Estamos certos, no Itamaraty, de que esse mecanismo contribuirá para solidificar o lugar das relações Brasil-Alemanha nas políticas exteriores dos dois países. É esta, em essência, a aposta que fazem a Presidenta Dilma Rousseff e a Chanceler Angela Merkel ao comprometerem-se formalmente a manter esse diálogo periódico. Estou certo de que, no futuro, a parceria Brasil-Alemanha será cada vez mais importante e estratégica para a própria projeção internacional de nossos países.
Obrigado.
 
 
 
1) Relações Bilaterais
 
 
1.1) Relações bilaterais na perspectiva brasileira
 
Visitas em 2014:
 
 
2) Política Externa alemã:
 
P.s²: Leiam o Kissinger, em "Diplomacia", para entender a origem e o fundamento da Realpolitik.

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