quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Política Externa nas Eleições 2014 - Parte 4



A Revista Política Externa tentou entrevistar os 3 principais candidatos à Presidência da República, abordando temas relevantes nas mais variadas áreas, como por exemplo, a integração na América do Sul; o BRICS; a candidatura ao CS onusiana; o papel do país na OMC; as relações bilaterais com a CHINA, EUA e Europa; um possível Conselho de Relações Exteriores; o conceito de "responsabilidade ao proteger"; e etc. Porém, a candidata Dilma Roussef (PT) não se pronunciou, algo feito por Aécio Neves(PSDB) e Eduardo Campos (PSB). Ademais, a entrevista foi feita e respondida por escrito.

Reproduzo na íntegra as ideias do candidato Eduardo Campos, dada a pouca ênfase em Política Externa do mesmo na campanha (e nas Diretrizes de Governo):

Tradicionalmente, a política externa brasileira tem sido concebida como um instrumento relevante na estratégia de desenvolvimento do país. Num mundo cada vez mais integrado e interdependente do ponto de vista econômico, qual a sua concepção desse papel nos próximos anos?

Eduardo Campos: É hora de revalidar a política externa como política de Estado destinada à promoção dos interesses e valores nacionais. Por lidar com aspirações permanentes do país e implicar compromissos de Estado, a política externa não pode ser refém de facções ou agrupamentos políticos. Deve refletir, sempre que possível, convergências sociais e multipartidárias. Surpreende o recurso nos últimos anos a “diplomacias paralelas”. A política externa é aquela definida pelo presidente da República e executada pelos agentes do Estado, sob amparo do texto constitucional. O marco ideológico da política externa são os valores enunciados no artigo 4º da Constituição Federal.
Como ocorreu em momentos decisivos de nossa história, a política externa deve estar a serviço do desenvolvimento do país. Isto passa por uma compreensão acurada e isenta da cena internacional. Já se nota que a crise financeira provocou ajustes importantes na gestão das principais economias, mas não trouxe o anunciado reordenamento do poder econômico. Os EUA dão sinais de reativação de sua capacidade produtiva, com uma reorientação gradual da matriz energética. A China sofre diminuição em sua taxa de crescimento, ainda expressiva, e passa a privilegiar o consumo, no lugar do investimento.
Afastado o risco de colapso de sua franja mediterrânea, a União Europeia vê-se defrontada com o árduo desafio da integração fiscal. O Japão persiste na busca de fórmulas para romper uma década e meia de estagnação, com vultosos pacotes de estímulo à atividade produtiva, à custa de desvalorização do iene. A redução da liquidez internacional afeta os países emergentes com intensidades que variam segundo o contexto doméstico. A Índia e a Turquia são penalizadas por elevados déficits em conta corrente.
Também repercute a deterioração fiscal da economia russa, malgrado suas elevadas reservas. O México aposta em reformas econômicas há muito devidas e na simbiose com a economia norte-americana. Enfim, não se configurou a propalada decadência do Ocidente e uma ascensão definitiva dos países emergentes. A sorte dos emergentes parece depender menos de profecias autorrealizáveis do que de políticas acertadas em produtividade, inovação, participação em cadeias produtivas e acordos seletivos de comércio.
O Brasil não perdeu o bonde da história. Em muitos aspectos, reuniu trunfos para uma inserção positiva na ordem em construção. Conquistou a estabilidade monetária; comprometeu-se com a responsabilidade fiscal; logrou níveis altos de produtividade no campo; reduziu sua vulnerabilidade externa com o acúmulo de reservas; ampliou sobremaneira o mercado interno; adotou padrões normativos de sustentabilidade; universalizou o acesso à escola e deu impulso à pesquisa científica em centros de excelência. Mas é preocupante que se tenha descurado de uma inserção positiva nas relações econômicas internacionais.
Não se justifica a reticência em negociar novas frentes para o comércio de nossos bens e serviços. A valorização das tratativas na Organização Mundial do Comércio é plenamente compatível com a negociação de acordos regionais e bilaterais. Se a adoção de regras universais é crucial para a simetria no comércio entre os povos, é inadiável a necessidade de garantir condições favoráveis de acesso a mercados regionais em um cenário volátil como o atual, onde os principais atores estão empenhados na acomodação recíproca de seus interesses.
Basta lembrar os entendimentos em curso entre os EUA e a União Europeia para a criação da Parceria Transatlântica em Comércio e Investimento, que definirão diretrizes em barreiras não tarifárias e regras de comércio incontornáveis para quem pretenda exportar bens e serviços para dois dos três principais polos da economia internacional. Igualmente sugestivos são os passos adotados para a viabilização de uma zona de livre comércio entre a Ásia e as Américas, com o envolvimento de alguns países latino-americanos, como Chile, Peru, Colômbia e México, os quais, por sua vez, criam e impulsionam a Aliança para o Pacífico, com propósitos ambiciosos em serviços, circulação de capitais e promoção de investimentos.
É importante promover a discussão com o empresariado e a academia sobre como o Brasil deve reagir ao impacto sobre o comércio internacional da formação crescente de cadeias produtivas em escala global, que estão alterando os padrões tradicionais de transação de bens e serviços, sobretudo aqueles de maior valor agregado. O intercâmbio de partes, componentes e serviços ocorre de modo cada vez mais intenso no interior de redes transnacionais de inovação, produção e comercialização.
A regulamentação desse processo tem sido realizada por acordos regionais e bilaterais envolvendo os Estados Unidos, a Europa e alguns países asiáticos e latino-americanos. Comportam regras que costumam ir além do previsto nas normas da OMC sobre propriedade intelectual, garantia de investimento, serviços, movimentos de capital e cooperação aduaneira. Se, por um lado, o reclame por especialização em alguma etapa do processo produtivo pode suscitar reservas em países emergentes com um parque industrial diversificado como Brasil, China, Índia e Rússia, é presente, por outro lado, o risco de marginalização dos fluxos de comércio tecnologicamente mais inovadores da atualidade. É plausível supor que, com a densidade tecnológica de que já dispõe e o grau de internacionalização alcançado por suas empresas, o Brasil possa ajustar-se de forma vantajosa ao novo modelo, valorizando as cadeias de valor sustentáveis e “decabornizantes”.

A América do Sul tem apresentado recentemente uma divisão ideológica e de estratégias nacionais para o comércio internacional como fazia muito tempo não se observava. Como o Brasil deve agir nos próximos anos para lidar com os seus vizinhos, em especial no que se refere às alternativas diversas para o comércio escolhidas pelo Mercosul e pela Aliança do Pacífico?

Eduardo:
O Mercosul não tem cumprido bem o desígnio original de constituir uma modalidade de “regionalismo aberto”. A expansão significativa do comércio intrarregional não foi acompanhada de empenho negociador do bloco em aumentar suas transações com outras regiões. Salvo um par de acordos de livre comércio com mercados inexpressivos, a tônica foi o imobilismo. As tratativas iniciadas há mais de uma década com vistas a uma associação com a União Europeia permanecem inconclusas. Não se chegou sequer a testar a real disposição da UE em reduzir seu protecionismo agrícola por conta da relutância da Argentina em convergir com os demais membros quanto aos produtos a serem liberalizados e ao período de desgravação. Por pressão da opinião pública e a aproximação das eleições de outubro, o governo brasileiro somente há pouco começou a cobrar com a ênfase devida uma atitude negociadora mais construtiva por parte das autoridades argentinas.
É importante ter presente que a hipótese de uma negociação em “dupla velocidade” não é vedada pelo Tratado de Assunção ou por qualquer dos acordos posteriores firmados entre as Partes. A exigência de uma negociação conjunta consta apenas de uma resolução do Conselho de Ministros das Relações Exteriores, não sujeita à ratificação pelos parlamentos nacionais e, dessa forma, passível de pronta revogação. Como principal economia do bloco, cabe ao Brasil tomar a iniciativa de propor as mudanças de rumo necessárias para que o Mercosul converta-se em fator de desenvolvimento e ator dinâmico do comércio internacional.
Como parte do processo de internacionalização das empresas brasileiras, cujo estímulo pelo Estado deve ser condicionado à obediência de padrões sustentáveis, observou-se nos últimos anos um aumento notável de nossa presença empresarial na América do Sul. Cabe zelar para que a participação de grupos brasileiros na construção da infraestrutura regional em energia, transportes e comunicações ocorra em ambiente de estabilidade de regras e respeito a contratos.
A adesão dos governos sul-americanos ao objetivo da integração física do continente deve ser traduzida em políticas de receptividade e estímulo à cooperação empresarial. Se os ganhos em redução de custos logísticos, reforço da competitividade e formação de cadeias produtivas são comuns, é exigível que se atenda à expectativa por efetiva proteção de investimentos. O governo brasileiro não pode ficar indiferente à sorte das empresas nacionais nos países do entorno, sobretudo quando atuam como parceiras do Estado na consecução de objetivos caros à política externa.

Ainda em relação à América do Sul, como o Brasil deve proceder diante das situações de crise atualmente vividas por Argentina e Venezuela?

Eduardo: A América do Sul viveu um processo quase simultâneo de redemocratização a partir dos anos 1980. Não é por acaso que a região acumulou um acervo admirável de compromissos com a democracia como condição para o pertencimento aos esforços regionais de integração. Podem ser enumerados o Protocolo de Ushuaia sobre o Compromisso Democrático no Mercosul (julho de 1998), a Carta Democrática Interamericana (setembro de 2001) e o Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo da Unasul (novembro de 2010).
Mas é preciso estar atento para que, salvaguardado o respeito ao princípio da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados soberanos, nosso país não acabe por endossar sinais de fenômenos que podem destoar dessa tendência. Fenômenos relacionados à ressurgência de um certo populismo tem sido identificados por analistas dos mais diversos matizes, em graus diferenciados e com causas específicas, em alguns países, como a Argentina, a Bolívia, o Equador e a Venezuela.
Alguns desdobramentos desses fenômenos nem sempre têm dado mostras de assegurar o pluralismo, a alternância no poder, a independência e equilíbrio dos poderes e as liberdades públicas fundamentais, como o direito de manifestação e a liberdade de imprensa, valores caros aos compromissos democráticos que inspiram os esforços de integração da região.
É questionável se o governo brasileiro tem atuado com discernimento e responsabilidade histórica diante da saga venezuelana. Há dúvidas sobre método e conteúdo. Pelo menos três vias têm sido exploradas para o diálogo regular com as autoridades da Venezuela: o Itamaraty, a Assessoria Especial da Presidência da República e os canais partidários. Além do descrédito doméstico e internacional que essa tríplice interlocução traz para o Ministério das Relações Exteriores, com responsabilidade normativa pela execução da política externa, fica a incerteza se é de Estado ou partidária a política do Brasil para a Venezuela, que assume posições em disputas eleitorais, arrisca suscitar ressentimentos na sociedade venezuelana e cria fissuras em uma relação que, forçosamente, sobreviverá às agruras do presente.
Já o equívoco de conteúdo tem a ver com a falta de sintonia entre posições e princípios. Cometem-se gestos de indisfarçável condescendência com o déficit democrático na Venezuela, que contrariam o compromisso do Estado brasileiro com a cláusula democrática e a integração regional. O país vê-se debilitado em sua autoridade para construir pontes em um continente crescentemente fracionado por modelos antagônicos de desenvolvimento. Parece-me positiva a mobilização da diplomacia brasileira para que a Unasul modere o diálogo em Caracas entre governo e oposição. Isto pode atenuar o mal-estar causado por comunicados intempestivos e nem sempre equilibrados sobre a situação venezuelana adotados por aquele foro e pelo Mercosul.

Finalmente em relação ao subcontinente, como é possível (se considera desejável) promover a sua integração?

Eduardo: A integração do nosso subcontinente atende a razões históricas, geográficas, culturais, políticas e econômicas. Teremos sempre uma identidade sul-americana, reconhecimento que motivou o Brasil a promover a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, e a formalizar e desenvolver a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), na gestão do presidente Lula. É importante que se dê continuidade ao esforço de integração continental em energia, comunicações, e transportes, assegurando, de maneira definitiva, o acesso aos portos do Pacífico.
A região continua sendo destino privilegiado de nossas exportações, inclusive as de maior valor agregado. Muito ajudaria, estou certo, articular a associação do Mercosul com a Aliança do Pacífico, inclusive para a captação recíproca de investimentos e a incorporação de empresas brasileiras nas cadeias internacionais de valor. Quanto mais integrada a região, maiores os atrativos que reunirá para a celebração de acordos bilaterais e multilaterais com outros polos importantes da economia global.
Tome-se o exemplo do largo potencial para o adensamento da nossa relação estratégica com a União Europeia. Um passo emblemático pode ser a resolução das pendências para a formalização do acordo de associação entre o Mercosul e a UE, inclusive com a admissão da possibilidade de “dupla velocidade” para países.

Qual a sua visão sobre as relações do Brasil com os EUA? Como é possível superar o incidente provocado pelas ações da NSA? É desejável expandir o comércio bilateral? Caso sim, de que maneira?

Eduardo: As relações com os EUA carecem de atualização. Subestimamos a capacidade da economia norte-americana de inovar e reinventar-se, o que talvez explique a queda de nossa participação relativa naquele mercado, que tem sido, ao lado da América Latina, um dos principais destinos das manufaturas brasileiras. O desafio de reverter essa tendência cresce em importância com a reativação em curso do consumo e da produção nos EUA. Além de uma política comercial agressiva, de resto desejável para outras frentes regionais, é chegado o momento de uma clara determinação em desenvolver um diálogo maduro, equilibrado e propositivo com Washington, que não dramatize diferenças naturais entre parceiros com interesses econômicos e políticos reconhecidamente amplos. São inúmeros os campos que podem compor uma agenda positiva entre o Brasil e os EUA, que vão de um renovado estímulo à cooperação empresarial nas múltiplas áreas de complementaridade industrial ao reforço do intercâmbio tecnológico e educacional.

 
Que expectativas têm em relação ao futuro do comércio global sob a égide da OMC, agora sob o comando de um brasileiro?

Eduardo: Não há razão para minimizar a importância do acordo alcançado pela Organização Mundial do Comércio em Bali para a facilitação do comércio internacional. Além de prescrever a adoção de medidas que permitirão uma poupança significativa de recursos, inclusive aos países em desenvolvimento, o entendimento em Bali atestou a competência negociadora do embaixador Roberto Azevêdo em articular um consenso que garantiu a sobrevivência da organização e, com ela, o ideal de uma regulação simétrica e universal do comércio mundial. O Brasil deve continuar empenhado em obter uma resolução positiva dos demais itens do chamado pacote de Bali, em particular da questão agrícola. Nossos trunfos a este respeito são sobejamente conhecidos, a começar pelos padrões elevados de produtividades assegurados pelo trabalho da Embrapa e a determinação do nosso agronegócio.
Como já afirmado, o compromisso com o êxito das tratativas na OMC é plenamente compatível com a preocupação em promover a integração da América do Sul, negociar acesso a mercados regionais e assegurar uma incorporação vantajosa das empresas brasileiras nas cadeias globais de produção.

 
Apesar da alta prioridade que se deu à obtenção para o Brasil de um assento como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, ela parece atualmente mais distante do que nunca. Que prioridade terá em seu governo esse objetivo?

Eduardo: Somos a sétima maior economia, a quinta maior população e o quinto maior território do planeta. Temos instituições democráticas estáveis e consolidadas. Nossa tradição diplomática pacifista e multilateral é muito respeitada no contexto das nações. Não temos pendências ou conflitos de relevo com qualquer outro país.
Estamos cada vez mais comprometidos com a cooperação internacional a favor do desenvolvimento sustentável e da eliminação da pobreza. Gozamos de relações muito positivas com as nações emergentes, muito por conta do empenho do presidente Lula em fortalecer as relações Sul-Sul.
Estas e outras credenciais explicam as expressivas vitórias obtidas pela diplomacia brasileira nas eleições para as Direções Gerais da FAO e da OMC. Mas do que isto: são fatores que reclamam o reforço do pleito pela atualização dos mecanismos de governança global, tanto na esfera econômica como no âmbito político.
É mais do que justo que o peso do voto do país nas deliberações do Fundo Monetário Internacional seja elevado a um patamar que efetivamente corresponda à dimensão de nossa economia. Também cabe insistir na reivindicação de que as chefias do FMI e do Banco Mundial deixem de ser monopólios de europeus e norte-americanos.
O pleito pela reforma na composição do Conselho de Segurança das Nações Unidas mantém sua atualidade, inclusive a fórmula de articulação conjunta (G4) com outras potências regionais. Sem uma representatividade adequada, o CS não pode desincumbir-se com a eficácia desejável de suas elevadas atribuições nos campos da paz e da segurança.

O Brasil tem sido acusado por entidades de defesa de direitos humanos de proceder com frequência de maneira dúbia ou fraca em situações como as crises da Síria e da Venezuela. Quais as diretrizes de seu governo nesse campo?

Eduardo: Não devemos oferecer motivos para que paire qualquer dúvida sobre os valores e princípios que desejamos ver prosperar na convivência internacional, que são aqueles que nortearam a modernização do país e encontram o mais pleno amparo no texto constitucional: defesa da paz, resolução pacífica de controvérsias, valorização da democracia, respeito aos direitos humanos e promoção do desenvolvimento sustentável. A elevação do nosso status no sistema das Nações Unidas e no multilateralismo como um todo somente faz sentido se for para honrar o que somos, evitando omissão ou ambiguidade diante do uso da força, do arbítrio, da violação dos direitos e garantias fundamentais, da pobreza e da destruição da natureza. Em torno daqueles valores, que são universais, justifica-se que alarguemos nossos horizontes, contribuindo, como é tradição de nossa diplomacia, para a formação de consensos, sem vícios ideológicos ou confrontações estéreis.
Estas preocupações devem orientar o posicionamento do Brasil diante do que ocorre na Crimeia, na Síria e nos diferentes casos e temas submetidos à atenção do Conselho de Segurança, do Conselho de Direitos Humanos e dos foros sociais e ambientais das Nações Unidas. São princípios igualmente relevantes para as relações com nossos vizinhos, até porque refletem uma experiência de amadurecimento democrático pela qual também passou a maior parte dos países latino-americanos.
Em prazos quase concomitantes, soubemos superar regimes de exceção, validar o Estado de Direito, promover a inclusão social no marco da democracia, ampliar o exercício da cidadania e ser um dos principais polos das redes virtuais e horizontais que estão renovando a participação-cidadã, configurando uma sociedade civil global e abrindo espaço para a emergência do que Marina Silva chama de “ativismo autoral”.

 
Qual a sua opinião sobre a tese da “responsabilidade ao proteger” lançada pelo Brasil na ONU com boa reação internacional de início, mas que depois não prosperou?

Eduardo: Parece-me uma tese legítima, orientada como é pelo interesse em preservar as populações civis dos elevados custos de intervenções armadas. Creio ser uma iniciativa condizente com nosso apego à paz e que merece ser amadurecida, ao lado da tese da “responsabilidade de proteger”, conceito igualmente legítimo no esforço de proteger os civis de crimes hediondos como o genocídio e a limpeza étnica.

A China deverá se tornar proximamente a maior economia nacional do mundo. Quais são as suas prioridades para a relação bilateral com esse país, do qual a vitalidade das exportações brasileiras tem se tornado quase dependente?

 
Eduardo: A relação com a China exige atenção prioritária pela magnitude das cifras e pelos desafios. Em um par de anos o país tornou-se nosso primeiro parceiro comercial, com elevado superávit do lado brasileiro, bem como uma importante fonte de investimentos. É improvável que essa relação diferenciada seja alterada com a diminuição no ritmo de crescimento chinês. Se confirmado que a taxa de expansão anual do produto interno bruto da China no período 2014-2016 ficará em torno de 7%, isso significa um incremento por ano de 1,3 trilhão de dólares, quase o dobro do que se observava há dez anos, quando o crescimento era superior a 11%. A elevação da base de cálculos propicia uma geração adicional de riqueza a cada ano em volume suficiente para assegurar uma considerável demanda por insumos externos, mesmo com o esperado aumento do consumo doméstico.
Por tranquilizador que seja esse cenário para as contas nacionais brasileiras, ele não implica, de todo modo, uma melhora na composição da pauta bilateral e tampouco a eliminação da concorrência desleal representada pelas exportações chinesas de baixo custo. É verdade que já se configuram tendências como a substituição das indústrias de baixo custo por indústrias intensivas em conhecimento e a valorização gradual do yuan, que podem eventualmente dispensar as práticas desleais de comércio. De qualquer maneira, parece mais do que recomendável, até pelo ritmo lento dessas mudanças, que se desenvolva um diálogo franco com as autoridades chinesas sobre as dificuldades impostas pelo câmbio e pelas exportações a custo irrisório. Também convém empenhar-se para que os investimentos chineses atendam às nossas expectativas por estabelecimento de parcerias, utilização de insumos locais, criação da capacidade de pesquisa e desenvolvimento e contratação de mão de obra e de executivos brasileiros.

 
Qual a sua opinião sobre a importância do grupo BRICS para o Brasil e que relevância ele terá em seu governo?

 
Eduardo: Trata-se de um conceito sem capacidade para pautar a política externa brasileira, mas com algum valor instrumental. Reúne países muito heterogêneos entre si, com escassa ou nenhuma coincidência em termos de valores, como democracia, direitos humanos e desenvolvimento sustentável, em relação aos quais temos bem mais afinidade com os EUA e a Europa. Daí a importância de evitar que a participação no grupo nos iniba de assumir as posições mais condizentes com as nossas tradições e princípios, como suspeito tenha ocorrido no tratamento da crise na Ucrânia. De todo modo, o foro pode ser útil para avançar reformas nos padrões de governança econômica global, como ocorreu na expansão dos recursos para empréstimos do Fundo Monetário Internacional.

Qual a sua opinião sobre o projetado Conselho Nacional de Política Externa que alguns pretendem criar?

Eduardo:
A proposta de criação de um conselho externo tem a ver com o papel do Itamaraty. O Ministério das Relações Exteriores poderia ter sido mais valorizado nos últimos anos. Poderia ter sido fortalecido em diálogo com outros órgãos do Estado brasileiro e instâncias da sociedade civil. A instituição foi esvaziada com a partidarização ou ideologização da política externa.
Para colocar outras vozes no debate sobre os rumos de nossa ação externa, não me parece necessário criar um conselho com atribuições paralelas. Basta aumentar a porosidade do Itamaraty aos influxos externos, seja do Estado, seja da sociedade, o que começa a ser feito pela gestão atual da Casa de Rio Branco.
Transferir competências em política externa a um novo foro seria depor contra uma instituição e quadros de reconhecida capacitação e que têm prestado uma inestimável contribuição à construção e à projeção internacional do Brasil.

Julho de 2014

Capa da Revista Política Externa, Vol. 23, nº1
Para a Entrevista completa, clique no link: Revista Politica Externa, Volume 23, nº1.


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