segunda-feira, 23 de novembro de 2020

A Diplomacia deve "saber se renovar"

 

O presidente Ernesto Geisel (ao centro) durante encontro com o embaixador chinês em Brasília, em 1975

Por Danilo Sorato* 

Era o final do ano de 1973, no bairro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, quando Ernesto Geisel chamou para uma conversa exploratória seu futuro ministro das Relações Exteriores, Azeredo da Silveira. No seu tom habitual, discreto, o futuro chefe do Executivo em dado momento perguntou: "O que você pretende para o ministério?". Em tom cordial, mas firme, Azeredo respondeu: "O Itamaraty deve saber se renovar".

Nos anos seguintes, o Brasil se renovou em várias frentes. Em postura pragmática, foi o primeiro país sul-americano a estabelecer relações diplomáticas com a China comunista em 1974 e o primeiro país a reconhecer a Angola independente em 1975. Ao mesmo tempo, Silveira manteve linhas tradicionais do Itamaraty, como a busca pelo desenvolvimento. Mesmo em momentos tensos soube defender os interesses nacionais, como por exemplo na relação difícil com os Estados Unidos de Jimmy Carter a partir de 1977. Não havia espaço para submissão, tampouco para ideias alienígenas. 

Realidade distante do que ocorreu nos últimos dois anos na política externa brasileira. Em invés de inovar dentro de certos parâmetros tradicionais, como a autonomia, o Itamaraty resolveu descartar os esforços de gerações anteriores. No último dia 22 de outubro, em discurso a jovens diplomatas da turma João Cabral de Melo Neto, o chanceler, Ernesto Araújo, defendeu ideias abstratas e distantes da realidade nacional, como o combate a forças globalistas e a luta contra uma suposta ameaça comunista.

A tradição do Itamaraty em seguir princípios gerais para formular objetivos e metas foi deixada de lado pela atual administração. Em seu lugar, ideias abstratas são impostas ao mesmo tempo que ações inconsequentes prejudicam os interesses do país, tais como o patrocínio de agendas reacionárias na ONU e o distanciamento dos vizinhos. Nesse sentido, nada se compara à relação de submissão aos Estados Unidos, movimento sem paralelo na história diplomática nacional.

No espírito de Azeredo da Silveira, a primeira versão do Programa Renascença propõe uma política externa pós-Bolsonaro. Com objetivos gerais e metas específicas, conjuga tradições e inovações, algumas delas ousadas, para além de polaridades esquemáticas. É um esforço em pensar a inserção internacional brasileira de forma que atenda necessidades de adaptação e transformação sem deixar de ser pragmático e realista.

Os pilares do Programa Renascença estão amparados no respeito aos princípios constitucionais e na boa tradição brasileira: defendem o estado democrático, o humanismo, o laicismo, o universalismo, a prevalência dos direitos humanos, a integração regional etc. Para além desses fundamentos, dialoga com temas essenciais da contemporaneidade ao priorizar redução de desigualdades e violências, respeito à diversidade e a busca por modelos de desenvolvimento sustentável.

Um mundo conflituoso não permite estratégias internacionais irracionais, pois os custos são irreparáveis. Para abrir caminhos para atuação mais eficaz no cenário mundial, é preciso moderação, um senso de direção bem desenhado. Trabalhar os difíceis temas da agenda internacional com o objetivo de atender reais necessidades internas. Com voz sensível perante outros países, mas firme na defesa dos interesses nacionais, o Brasil deverá se inspirar no lema de Silveira: "saber se renovar". 


* Danilo Sorato é professor de história e pesquisador de política externa brasileira. Mestre em história pela Universidade Federal do Amapá (Unifap). Email: danilosorato@hotmail.com. 


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.


Texto publicado no site do UOL em 18/11/2020. 

Link: https://noticias.uol.com.br/colunas/democracia-e-diplomacia/2020/11/18/a-diplomacia-deve-saber-se-renovar.htm

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Sobre paraísos


-É faz tempo...

-Faz.

-Talvez não conheça mais quem é você.

-Você acha? 

-Sim. Olha para você... Estás com ar, digamos, maduro.

-Sim, a vida voou na velocidade daquele dia...

-Quando você decidiu ir a procura do paraíso?

-Alguns dias encontrei-o, outros dias não. E senti...

-...falta? Bem, talvez a conexão tenha voltado...

-Não! Ela não é mais a mesma, pois não somos aqueles jovens de 15 anos atrás.

-E isso não lhe parece incrível? 

-De fato. Eu olho para você, e vejo algo que me fez falta.

-Eu também! Eu lhe peço desculpa ao sair pela porta e não ter voltado...

-Você foi em busca do seu paraíso!

-Mas eu nunca achei alguém...

-Olhe para mim e me diga que...

-Estou olhando. Seus olhos continuam grandes...e fazem aquela dilatação...

-Para você! 

-Sim. Eu voltei para buscar meu paraíso...

-Eu sei. E eu para (re) encontrar meu raio de sol que segue queimando...

-Com sorriso de lua minguante adocicado...


terça-feira, 8 de setembro de 2020

Pensadores da Diplomacia Brasileira - Parte 11


Nos início dos anos 70, o Brasil modificou sua presença internacional no mundo. A chegada do Chanceler, Azeredo da Silveira, reorientou o sentido da Política Externa Brasileira para algo mais universal e pragmático. De forma resumida, corrigiu os rumos em três agendas: as relações com os Estados Unidos, a África e o Oriente Médio. Na primeira, o relacionamento saiu de um "engajamento" para um "engajamento crítico". Na segunda, as interações se deram no apoio aos movimentos de independência africanos. No terceiro, apoio a solução de dois estados entre Israel e Palestina e condenou o sionismo. Em entrevista dada no final do seu mandato, Silveira falou de onde surgiu o termo, "Ecumenismo Pragmático". Na sua época de juventude, quando morou nos Estados Unidosentre 1937 a 1941, ele se encantou por uma construção ecumênica na Universidade de Stanford. Ele disse o seguinte sobre essa memória:


Uma coisa que me marcou muito nesse período foi a existência, bem no centro do campus da Stanford University, bem separado dos outros edifícios, de um templo ecumênico... Não estou me referindo a essas pequenas religiões que surgem nos Estados Unidos e no Brasil a toda hora, mas sim todos os cultos, o protestante, o católico, o judaico. Todos eles podiam realizar suas cerimônias religiosas nesse edifício, que tinha, do lado de fora, como tem até hoje, quatro anjos: Love, Hope, Charity and Faith. É só isso que tem escrito do lado de fora. Nunca me esqueci... Quando voltei, recentemente, a Stanford levei a May para conhecer o edifício, ele já estava cercado de vários outros. Esse ecumenismo - coisa que trazia dentro de mim, como se fosse uma semente, há muitos anos - acabou marcando toda a minha carreira e acho que acabou sendo, também, uma das marcas da política externa do período do Geisel.

 

Fonte: 
SPEKTOR, M. Azeredo da Silveira: um depoimento. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2010. p. 25.

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Guia de Estudos 2020


Candidatos e candidatas, como vocês tradicionalmente tem visitado na seção do Blog, Guia de Estudos, estão todos os links direcionando para os Guias de Estudo de preparação à carreira diplomática entre 1996 e 2014. Depois de longo tempo sem novos exemplares, os aprovados na seleção do Concurso de Admissão à Carreira Diplomática (CACD) em 2019 lançaram nova versão com o título, A esperança equilibrista (ver imagem). Eu sugiro que todos que estejam se preparando para o CACD 2020 deem uma lida nesse arquivo. Estão colocadas as melhores e piores respostas dos aprovados, o que torna ainda mais importante sua leitura.

sábado, 6 de junho de 2020

Pensadores da Diplomacia Brasileira - Parte 10

Mário Gibson Barboza
Nos anos de 1970, o mundo passava por várias transformações. A descolonização dos países asiáticos e africanos fizeram com que o país repensasse sua inserção Internacional. Se internamente, o país aumentava a repressão aos grupos políticos de esquerda, para fora começava uma "correção de rumos" que visava diversificar as parcerias brasileiras no exterior. O Chanceler, Mário Gibson Barboza, assumiu o Itamaraty com a missão de pensar o mundo de forma pragmática e menos dependente dos EUA entre os anos de 1969-1974. A "diplomacia do interesse nacional" se apresentou no conjuntos de diretrizes a seguir:

"‑ correção de rumo em nossas relações com os Estados Unidos, para colocá‑las em bases mais compatíveis com a realidade e na conformidade dos nossos interesses, o que nos permitiria, então, identificar e expandir essas relações em bases mais sólidas e permanentes;
‑relacionamento o mais estreito possível com os países em desenvolvimento, com atenção prioritária para a nossa natural esfera de ação que é a América Latina, e abrindo nesta uma nova fronteira, a América Central, até então nunca sequer visitada por  um Ministro das Relações Exteriores do Brasil;
‑intensificação de nossas relações, em todos os planos, mas nesse caso predominantemente nos campos financeiro e comercial, com os países altamente desenvolvidos, não só individual, mas também coletivamente, como no caso do Mercado Comum Europeu;
‑abertura de uma nova fronteira em nossa política externa, a africana, sobretudo a da África subsaariana e ocidental;
‑eliminação da hipoteca do colonialismo português, preservando, ao mesmo tempo, os vínculos especiais e íntimos que sempre nos uniram a Portugal;
‑intensificação das nossas relações ao mesmo tempo com Israel e os países árabes, em termos de equilíbrio e equidistância. (FUNAG, 2020, p. 281-282)"


Referência Bibliográfica
FUNAG. Na diplomacia o traço todo da vida / Mario Gibson Barboza - 4. ed. rev. - Brasília: FUNAG, 2020.

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Pensadores da Diplomacia Brasileira - Parte 9

José Bonifácio

O patriarca da Independência, José Bonifácio, foi um dos grandes pensadores diplomáticos brasileiros. As suas ideias estiveram colocadas no Manifesto as nações amigas, publicado no dia 06 de agosto de 1822, e assinado pelo então Príncipe Regente, D. Pedro. Nesse escrito aparecem os  dois eixos fundamentais nas relações externas da jovem nação, a defesa da soberania nacional e o livre comércio com países amigos. Como diz o trecho do documento:

"A Minha firme Resolução, e a dos Povos que Governo, estão legitimamente promulgadas. Espero pois que os homens sabios e imparciaes de todo o Mundo, e que os Governos e Nações Amigas do Brazil hajam de fazer justiça a tão justos e nobres sentimentos. Eu os Convido a continuarem com o Reino do Brazil as mesmas relações de mutuo interesse e amisade. Estarei prompto a receber os seus Ministros, e Agentes Diplomaticos, e a enviar-lhes os Meus, em quanto durar o captiveiro d'El Rei Meu Augusto Pai. Os portos do Brazil continuarão a estar abertos a todas as Nações pacificas e amigas para o commercio licito que as Leis não prohibem: os Colonos Europeus que para aqui emigrarem poderão contar com a mais justa proteção neste Paiz rico e hospitaleiro. Os Sabios, os Artistas, os Capitalistas, e os Empreendedores encontrarão tambem amizade e acolhimento: E como o Brazil sabe respeitar os direitos dos outros Povos e Governos Legitimos, espera igualmente por justa retribuição, que seus inalienaveis direitos sejam tambem por elles respeitados e reconhecidos, para se não ver, em caso contrario, na dura necessidade de obrar contra os desejos do seu generoso coração." (Manifesto de 6 de agosto de 1822)

Referência
Link: Manifesto de 6 de Agosto de 1822. Brasília: Câmara dos Deputados. In: Coleção de Leis do Império do Brasil - 6/8/1822, Página 132 Vol. 1 (Publicação Original). Brasília: Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/manife_sn/anterioresa1824/manifestosemnumero-41437-6-agosto-1822-576171-publicacaooriginal-99440-pe.html.

terça-feira, 31 de março de 2020

A Política Externa Brasileira não tem ideologia?

Na última sexta-feira (27), o atual Chanceler, Ernesto Araújo, deu uma entrevista para o Poder 360/ SBT. Dentre as pautas apareceram assuntos como, o Corona Vírus, o relacionamento bilateral com os EUA, a China, a Venezuela, dentre outros.
O destaque da entrevista ficou a partir do minuto 27:00 (ver vídeo abaixo), quando o apresentador abordou o tema da Ideologia na Política Externa. Como vem sendo costumeiro no Brasil desde Temer, o Ministro negou que a estratégia internacional brasileira possua alguma ideologia. E a partir dessa assertiva, cabe a pergunta, existe uma possibilidade de neutralidade na Política Externa?


Se olharmos para a ação prática, essa "não ideologia", predicou pelo progressivo afastamento de parceiros estratégicos do PT, como a Venezuela, a Bolívia, a Nicarágua, etc. E em seu lugar, uma aproximação constante com parcerias ocidentais, como os EUA, a Europa Ocidental, Israel, etc. Então, quando essas gestões, fazem essa opção, elas estão efetivamente cumprindo seu papel ideológico na Política Externa Brasileira, tendo em vista o simples ato de escolher.

Ministro, Ernesto Araújo, respondendo ao Poder 360/SBT.

Entretanto, para além da "Desideologização", o que vem sendo pondo em questão é um movimento mais antigo na Política Externa Brasileira, isto é, um reposicionamento do sentimento anticomunista. Com espaço mais amplo que a Guerra Fria, e também um tanto confuso, existe uma movimentação no sentido de não ser ideológico para combater as esquerdas no mundo. Além do afastamento de países bolivarianos-comunistas, essa questão perpassa pelo sistemático combate das instituições internacionais e o multilateralismo, pondo em dúvida suas capacidades de resolução de problemas mundiais, já que são tendenciosos para agendas de esquerda (gênero, religião, etc.). E qual a diferença desse momento para outros períodos históricos?
Em termos de Política Externa Brasileira, pode-se dizer que esse movimento anticomunista ainda é bem recente e incipiente na atualidade. Isso significa dizer que os meios de ação não foram todos definidos pela curta duração. Bem distinto do período de 1930-1985, quando efetivamente as instituições tomaram para si o Anticomunismo. O Itamaraty, tanto no governo Vargas (1930-1945), com o Serviço de Estudos e Investigações (SEI), quanto no período da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), com o Centro de Informações do Exterior (CIEX) atuou com órgãos de coletas de informações e espionagem de inimigos vermelhos. Ademais, o Itamaraty, atuou em coordenação com seus vizinhos, como Uruguai e Argentina, para fazer um intercâmbio de informações contra esses inimigos políticos.
Portanto, desde 2016, esse sentimento anticomunista vem construindo paulatinamente seu espaço na Política Externa Brasileira após anos de esquecimento com o final da Guerra Fria. Ainda incipiente, o movimento vem crescendo em torno do discurso da "Desideologização", com medidas ainda tímidas e algumas vezes veladas contra o inimigo vermelho. Todavia não está plenamente institucionalizado, mas é uma meta de curto/médio/longo prazo dos movimentos políticos que ascenderam ao poder.