sábado, 15 de março de 2014

Itamaraty: as mulheres no lago do Cisnes

Revista Lady, nº28, 1959


O imaginário que permeia na mente das pessoas quando se pronuncia a palavra Itamaraty, perpassa por uma série de construções frágeis. Dentre estas, aparece a palavra tradição confundida com ações retrógradas. De fato, a Casa é um lugar hierárquico, pelo qual certos sinais, valores e rituais de sociabilidade devem ser respeitados. Porém, ser tradicional, não impede que sejam tomadas medidas progressistas, exemplo disso ocorreu no século XX, em relação ao avanço das mulheres nos quadros da carreira. Os cisnes rosas passaram da proibição para a promoção social.

Em arranques do XX, dentre as exigências para entrar na carreira diplomática, estava a obrigatoriedade do Certificado Militar. Claramente, o Ministério sinalizava que queria apenas homens, afinal as mulheres não podiam se meter em cousas de homem na sociedade da República Velha.

O primeiro sinal progressista apareceu em 1946, quando o presidente, Eurico Gaspar Dutra, junto com o Ministro das Relações Exteriores, João Neves de Fontoura, revogam o Decreto-lei nº 9.202. A partir disso, não havia mais a obrigatoriedade do Certificado Militar.Entretanto, na prática entre 1946-54, o que se viu, por um lado foram as mulheres tentando prestar o exame de admissão, e por outro o Ministério, ainda confuso e sem jurisprudência efetiva, negando-se em abrir as portas para as mulheres. A resolução ficaria a cargo do Poder Judiciário, que em 1954, deu a candidata, Sandra Cordeiro de Mello, a possibilidade de prestar o exame do Itamaraty com um mandado de segurança impetrado. Paralelamente, Getúlio Vargas assina o decreto de 18 de janeiro de 1954, nº2.171, que em seu  artigo primeiro dizia: "...Ao ingresso na classe inicial da carreira de Diplomata, são admitidos os brasileiros natos, sem distinção de sexo". O Estado sinalizava claramente pela evolução da legislação no lago dos Cisnes.


Thereza Quintella: "A administração dava um jeito de,sem que a gente percebesse, nos colocar de lado, nos deixando em posições menos relevantes. Quando a gente percebia, estava totalmente fora do mainstream." (pp.49,Revista Juca, nº6, 2013)

O período que vai desde a segunda metade dos anos de 1950, foi regido pela entrada de candidatas mulheres. Segundo a Revista Lady (junho de 1959) entraram cerca de 19 mulheres na Casa,  com destaque para a atual Embaixadora Thereza Maria Quintella. Em complemento ao processo de abertura para as mulheres, no ano de 1961, o presidente Jânio Quadros revoga a proibição do casamento entre um diplomata e um funcionário público (lei de 1946). Na prática acabava com a obrigação das mulheres deixarem a carreira para se casar com colegas de profissão, assim como a obrigatoriedade de agregação para acompanhar cônjuge em missões no exterior.  O Barão do Rio Branco certamente observaria estes costumes deploráveis perplexo.

Após as medidas liberalizantes, o período militar não conseguiu avançar na questão da inserção feminina. Ao contrário, percebeu-se uma clara política de marginalização das mesmas em cargos de chefia. Algumas tensões de gênero na profissão, inclusive, foram construídas entre as próprias mulheres que preferiam chefes homens, já que estes eram mais firmes, pacientes, e menos "invejosos", segundo os relatos das mesmas no trabalho da Diplomata, Viviane Balbino. Para romper este paradigma, nos últimos 10 anos, especificamente a  política de promoção social da mulher no governo Dilma, fez com que aumentasse o número de mulheres em postos de chefias. Mas não conseguiu romper o malefício de apenas 20% de mulheres no quadro do MRE. Espera-se, como visto no tradicional lago dos cisnes dos anos 1940-1960, que  as medidas progressistas continuem permeando o seio da Casa, e que em consequência, as mulheres continuem ganhando espaços de poder nos corredores do Itamaraty. No século XXI, urge equacionar os desníveis de gênero na carreira,  no qual o primeiro passo será a entrada  via CACD (Concurso de Admissão à Carreira Diplomática), seja criando cotas específicas, como a Ação Afirmativa para os negros, ou ainda, seja fazendo uma aproximação com a sociedade para divulgar que o lago tem espaço para os dois gêneros de cisnes.

Fonte:

SHIMADA, Natália.Intrusas no lago dos Cisnes. Brasília: Revista Juca, ed. nº 6, 2013.


BALBINO, Viviane Rios. Diplomata: substantivo comum de dois gêneros: um estudo sobre a presença das mulheres na diplomacia brasileira. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão,2011.

2 comentários:

  1. Ótimo artigo, vou indicar a revista Juca no meu Blog! Abraços.

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    1. Valeu pelo elogio, Leonardo! Pode indicar, porque é uma revista com muita qualidade! Abração

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