Em 1956, o Brasil era um país marcado por certas tendências. Em termos econômicos, tinha uma estrutura demográfica crescente, uma inflação alta, uma dívida externa ascendente, um país essencialmente rural, e baseado ainda em exportação de primários. Já em termos políticos, era uma democracia jovem, recém instaurada em 1945, com claros espectros políticos polarizadores, como o PSD, UDN e PTB.O debate nacional estava servido: entreguistas x nacionalista; universalistas x soberanistas.
Nesse ano, foi eleito para presidente, o representande do PSD, Juscelino Kubitschek (JK), com o slogan: Brasil: 50 anos em 5. A ideia seria industrializar o Brasil definitivamente. Para isso, aproveitaria suas potencialidades como o petróleo, o minério, etc. Pautou-se na lógica desenvolvimentista, instrumentalizado no Plano de Metas, modelo instituído por um tripé econômico em que o governo (por meio de empresas estatais) e a iniciativa privada (por meio do capital privado estrangeiro e nacional) se articulavam com o objetivo de financiar um plano econômico para o país. Deu-se assim investimentos em áreas como energia, transporte, indústrias de base, alimentação e educação. A construção de rodovias, como a Belém-Brasília e a contrução da nova capital (Brasília) eram o símbolo máximo desse esforço.
Externamente, pretendeu-se atrair investimentos estrangeiros para financiar o desenvolvimento nacional. Uma das ações de política externa mais eficazes de JK, em parceria com o poeta Augusto Frederico Schimidt, deu-se em 20 de junho de 1958, quando apresentou a ideia de criar a Operação Pan-Americana (OPA) aos representantes diplomáticos dos Estados Americanos no Rio de Janeiro (Ver discurso na íntegra abaixo)*. Em articulação com o presidente argentino, Arthur Frondizi, também desenvolvimentista, o Brasil esperava obter dos Estados Unidos da América um programa de investimentos similar ao que foi feito em 1947 na Europa Ocidental e Japão,conhecido como Plano Marshall. Segundo a OPA, a única forma de superação de ideologias exógenas (comunismo) penetrarem o continente latino-americano seria o amplo desenvolvimento econômico da região. Entretanto, desde 1952, com a eleição do republicano Dwight Eisenhower, a política externa americana havia colocado a América Latina como região secundária em relação à contenção do comunismo. Portanto, a ideia de JK não recebeu a receptividade esperada nos escaninhos americanos.
Os estudiosos Amado Cervo e Clodoaldo Bueno definem que os resultados atingidos pela OPA não foram imediatos. Mas sim, dividendos de médio e longo prazo. Segundo eles, os resultados foram estes abaixo:
- a criação do Banco Intermericano de Desenvolvimento (BID) em 1959
- a criação do Banco Intermericano de Desenvolvimento (BID) em 1959
- a criação da Associação Latino-americana de Livre-Comércio (Alalc) em 1960 e
- Aliança para o Progresso, proposta por J.F.Kennedy em 1961.
Em médio e longo prazo, os efeitos da OPA para a Política Externa Brasileira, podem ser vistas nas seguintes propostas de integração com o continente sul-americano e latino-americano nos anos 1980,1990 e 2000. Essa opção deu maior proposição e destaque ao entorno imediato (sul-americano e latino-americano) como eixo estratégico de ação da Política Externa. Ademais, ao frustrar-se com o seu principal parceiro, no caso os EUA, o Brasil apresenta a universalização;diversificação das parcerias, como saída para a busca mais eficiente do desenvolvimento em sua atuação externa. Essa medida seria apresentada no governo seguinte ao de JK. Em 1961, o recém-eleito Jânio Quadros, instrumentalizou esse eixo na chamada Política Externa Independente (PEI).
*
Discurso à Nação e aos representantes diplomáticos dos Estados Americanos acreditados junto ao Governo Brasileiro
Rio de Janeiro, 20 de junho de 1958.
Creio chegada a hora de um pronunciamento claro e sincero do Brasil em relação a alguns assuntos de política internacional. É a hora de o nosso país dizer, com maior calor e objetividade do que o tem feito até aqui, o que pensa no debate que se vem travando entre as fôrças que, dividindo o mundo, se defrontam e se ameaçam, e ora se aproximam, ora se afastam, transformando a época em que vivemos num tecido de inquietações e sobressaltos. Não é admissível que uma nação como esta não tenha que opinar com maior autoridade naquilo que põe em permanente perigo a existência das sociedades humanas, uma vez que estão em jôgo, necessariamente, também os nossos interêsses mais vitais.
Já não nos é
possível continuarmos em atitude próxima ao alheamento, mais como
assistentes do que participantes do desenrolar de um drama em cujas
conseqüências estaremos envolvidos, como se nele tivéssemos atuado de
forma ativa. O não compartilharmos, senão simbolicamente, da direção de
uma política, o não sermos muitas vêzes ouvidos nem consultados — mas ao
mesmo tempo estarmos sujeitos aos riscos dela decorrentes — tudo isso
já não é conveniente ao Brasil. Apesar das dificuldades de caráter
econômico ligadas ao nosso processo de crescimento, já atingiu êste país
um grau, no plano espiritual e material, que é forçoso
reconhecer-se-lhe, não apenas o direito, mas a obrigação de fazer-se
ouvido. Não pode êle continuar aceitando passivamente as orientações e
os passos de uma política com a qual não é cabível esteja apenas
solidário de modo quase automático, solidário por hábito ou
simples conseqüência de posição geográfica. Reclamamos o direito de
opinar e colaborar efetivamente — o que é um imperativo de nação que se
sabe adulta e deseja assumir a plenitude de suas responsabilidades numa
política que é a sua própria.
Verifico que no Brasil — e creio que nos demais países do Continente — amadureceu a consciência de que não convém mais formarmos um mero conjunto coral, uma retaguarda incaracterística, um simples fundo de quadro. Êste tipo de representação no drama do mundo não interessa a ninguém, menos ainda à grande democracia norte-americana.
Verifico que no Brasil — e creio que nos demais países do Continente — amadureceu a consciência de que não convém mais formarmos um mero conjunto coral, uma retaguarda incaracterística, um simples fundo de quadro. Êste tipo de representação no drama do mundo não interessa a ninguém, menos ainda à grande democracia norte-americana.
Uma participação dinâmica nos problemas de
âmbito mundial — é êste pelo menos o pensamento do meu Govêrno — deve
ser precedida de uma rigorosa análise da política continental. Foi êste o
exato sentido de minha intervenção junto ao Presidente Eisenhower.
Quanto à Operação Pan-Americana em vista, desejo ressaltar o que já foi
por todos compreendido: o Brasil pretende apenas colaborar, na medida de
suas fôrças, para um entendimento geral e efetivo entre os países
irmãos do continente. Nada pleiteia para si, isoladamente, nem haverá,
nas gestões específicas da Operação iniciada, cabimento para
conversações bilaterais. Não há, nesta comunidade de nações livres,
pretensão a liderança que logre resultados fecundos e duradouros.
Um dos
fatôres mais auspiciosos das possibilidades de êxito desta campanha —
cuja idéia não é minha, nem de meu país, mas de todos os povos da
América — está em que não medram entre nós competições de prestígio.
Pelo que depreendo, tanto das reações que agora tenho observado, como da
experiência que recolhi dos contatos com personalidades de relêvo,
visamos todos a um esfôrço conjunto para o fim exclusivo de transformar o
pan-americanismo em realidade viva, numa política de ardente
fraternidade e de indestrutível unidade continental. E estou certo de
que o realizaremos. Sei bem — e não necessito de nenhum novo elemento de
convicção — que a fôrça e, mesmo, a possibilidade de êxito de uma
emprêsa tão grande como esta, que pretende a revisão de tôda uma
política, se concentra na energia pertinaz e no desprendimento dos
egoísmos. A indagação, amiga e oportuna, que dirigi ao Presidente
Eisenhower foi grito de alerta contra a guerra fria que já começa a
apresentar os seus primeiros sintomas em nosso continente: que fizemos,
de real, pela causa do pan-americanismo? Não será bom procedermos a um exame de consciência coletivo? Tem êsse sentido minha mensagem ao Presidente Eisenhower, homem provado cm lutas e responsável pela defesa e preservação de valores caros à civilização ocidental.
Nas duas grandes guerras que o nosso tumultuado século conheceu, sofreram os Estados Unidos da América a imolação de incontáveis existências da sua preciosa juventude. Êste foi o investimento supremo feito voluntariamente em favor do direito e da dignidade da pessoa humana.
Deus sabe, porém, que, apesar de muitos sacrifícios e muito sangue derramado, os Estados Unidos da América, hoje mais do que nunca, necessitam e têm sêde de justiça pela sua contribuição em favor da liberdade do mundo.
Procurar-se-iam, em vão, nas páginas da história universal, exemplos de assistência tão desinteressada quanto a do Plano Marshall e a dos programas de ajuda e de empréstimo executados pelo Govêrno dos Estados Unidos da América, logo após o término da Segunda Guerra Mundial. É oportuno ressaltar, entretanto, que quase tôda a ênfase foi posta na reconstrução, sem que suscitasse igual interêsse o muito sério problema do desenvolvimento dos países de economia ainda rudimentar. Nêsses treze anos que se seguiram ao fim da luta contra o totalitarismo, os Estados Unidos da América voltaram o melhor da sua atenção e recursos para os pontos do globo onde mais acesa se apresentava a disputa Leste-Oeste.
Assim, a América Latina, que também contribuíra para a vitória democrática, viu-se, em pouco, em situação econômica mais precária e aflitiva do que a das nações devastadas pela guerra e passou a constituir o ponto mais vulnerável da grande coligação ocidental.
Essas observações decorrem apenas do dever de advertir os nossos aliados e amigos dos graves riscos em que incidiriam, no caso de persistirem em não se dar conta de uma crise de existência inegável e conseqüências imprevisíveis. É oportuno assinalar, entretanto, que o pensamento do Presidente Eisenhower, expresso na carta que me remeteu, vem ao encontro das nossas preocupações no que toca aos problemas do subdesenvolvimento.
Não se poderá, em conseqüência, prestar maior serviço ao ideal panamericano do que o de tentar eliminar a sua grande chaga: o subdesenvolvimento. Não se trata de resolver uma simples situação econômica nem unicamente de colocar a questão em têrmos de reclamação de auxílios, a pretexto de uma determinada política para as zonas desamparadas do continente. O que representa o estado de miséria e de ausência de um mínimo de confôrto para sêres humanos não é um fenômeno apreciável somente em têrmos econômicos. Há uma definição política, e ética também, para o subdesenvolvimento. Difícil é difundir o ideal democrático e proclamar a excelência da iniciativa privada no mundo, quando em nosso Hemisfério predominam condições econômico-sociais, reflexos do subdesenvolvimento, conducentes ao estatismo. E também não é justo nem concebível que nos intitulemos defensores e nos declaremos dispostos a lutar pela moral cristã, se não fizermos um esfôrço conjunto no sentido de erradicar o sofrimento que pesa sôbre tantas vidas.
Procurar-se-iam, em vão, nas páginas da história universal, exemplos de assistência tão desinteressada quanto a do Plano Marshall e a dos programas de ajuda e de empréstimo executados pelo Govêrno dos Estados Unidos da América, logo após o término da Segunda Guerra Mundial. É oportuno ressaltar, entretanto, que quase tôda a ênfase foi posta na reconstrução, sem que suscitasse igual interêsse o muito sério problema do desenvolvimento dos países de economia ainda rudimentar. Nêsses treze anos que se seguiram ao fim da luta contra o totalitarismo, os Estados Unidos da América voltaram o melhor da sua atenção e recursos para os pontos do globo onde mais acesa se apresentava a disputa Leste-Oeste.
Assim, a América Latina, que também contribuíra para a vitória democrática, viu-se, em pouco, em situação econômica mais precária e aflitiva do que a das nações devastadas pela guerra e passou a constituir o ponto mais vulnerável da grande coligação ocidental.
Essas observações decorrem apenas do dever de advertir os nossos aliados e amigos dos graves riscos em que incidiriam, no caso de persistirem em não se dar conta de uma crise de existência inegável e conseqüências imprevisíveis. É oportuno assinalar, entretanto, que o pensamento do Presidente Eisenhower, expresso na carta que me remeteu, vem ao encontro das nossas preocupações no que toca aos problemas do subdesenvolvimento.
Não se poderá, em conseqüência, prestar maior serviço ao ideal panamericano do que o de tentar eliminar a sua grande chaga: o subdesenvolvimento. Não se trata de resolver uma simples situação econômica nem unicamente de colocar a questão em têrmos de reclamação de auxílios, a pretexto de uma determinada política para as zonas desamparadas do continente. O que representa o estado de miséria e de ausência de um mínimo de confôrto para sêres humanos não é um fenômeno apreciável somente em têrmos econômicos. Há uma definição política, e ética também, para o subdesenvolvimento. Difícil é difundir o ideal democrático e proclamar a excelência da iniciativa privada no mundo, quando em nosso Hemisfério predominam condições econômico-sociais, reflexos do subdesenvolvimento, conducentes ao estatismo. E também não é justo nem concebível que nos intitulemos defensores e nos declaremos dispostos a lutar pela moral cristã, se não fizermos um esfôrço conjunto no sentido de erradicar o sofrimento que pesa sôbre tantas vidas.
Não creio que haja alguma
possibilidade de êxito em fundarmos uma sólida união, se diversos elos
da cadeia continuarem tão desigualmente resistentes.
Não há tempo a
perder, nem gastos irreprodutivos no combate à doença do
subdesenvolvimento. Se procedentes alguns cálculos que apresentam
índices impressionantes de um crescente desenvolvimento dos países
opostos ao nosso sistema democrático, não há de fato imprudência maior
do que a de não atacar de frente a anemia econômica que debilita zonas
inteiras dêste lado do mundo. Sanear essas zonas, revigorá-las,
torná-las mais prósperas equivale a usar medidas preventivas e
estratégicas de grande sabedoria, alcance e segurança. Para atingirmos
êsse alto objetivo poderíamos valer-nos de corretivos há muito
preconizados, mas cuja aplicação plena não deve ser mais retardada.
Assim, deveria ser intensificado o investimento pioneiro em áreas
economicamente atrasadas do continente, a fim de contrabalançar a
carência de
recursos financeiros internos e a escassez do capital privado.
Simultaneamente, para melhorar a produtividade e, por conseguinte, a
rentabilidade dêsse investimento, desdobrar-se-iam os programas de
assistência técnica. De igual significação e de grande urgência seria a
adoção de medidas capazes de proteger o preço dos produtos de base das
excessivas e danosas flutuações que o caracterizam. Finalmente,
deveríamos atualizar os organismos financeiros internacionais, mediante
ampliação de seus recursos e liberalização de seus estatutos, com o
objetivo de facultar-lhes maior amplitude de ação. Êsses assuntos, e
outros que mereçam ser propostos, deveriam encontrar o seu fôro próprio
em reunião do mais alto nível político do continente, na qual, ao
contrário do que tem acontecido, fôssem dadas soluções práticas,
eficazes e positivas.
A luta contra o subdesenvolvimento, sem excluir a
justiça e a lei moral, conndenam como impiedosa a coexistência da miséria e
do excesso de riquezas, representa investimento a longo prazo, de
rentabilidade segura, para a defesa das Américas.
Consentir que se
alastre o empobrecimento neste Hemisfério é enfraquecer a causa
ocidental. Não recuperar, para um nível de vida compatível com os foros
da dignidade humana, criaturas que englobamos na denominação de povos
irmãos, é semear males em terreno propício para as mais perigosas
germinações.
Mas, se é preciso que os mais favorecidos se dediquem a
essa causa de fundamentos políticos, éticos e econômicos, fôrça é que se
forme um ambiente continental receptivo, uma atmosfera de compreensão
capaz de suprimir resistências negativas provocadas por longa intimidade
com a desesperança.
Não há missão mais elevada do que essa. Não há mais
nobre cruzada para os que se tornaram poderosos e fortes graças ao
espírito de iniciativa e ao trabalho criador.
Ninguém duvida de que as
nações dêste continente saberão encontrar um dia a sua redenção
econômica, mesmo que não se efetive a operação de unidade e colaboração
mútua como a que se tenta planejar. Mas longo é o caminho e muitas
gerações serão sacrificadas numa penosa espera. A causa ocidental
sofrerá inelutavelmente se lhe faltar apoio no próprio Hemisfério em que
o avanço do sistema materialista encontra resistências morais mais
decididas.
Ninguém se iluda: é impossível empenharem-se numa mesma
campanha, integrarem-se no mesmo combate, povos de condições de vida tão
díspares, e fazê-los adotar os mesmos valores, e experimentar as mesmas
reações diante de certas ocorrências e doutrinas.
Esta é uma verdade
que necessita ser reconhecida e proclamada enquanto é tempo. A união das Américas, além de um ideal, é um imperativo da nossa sobrevivência.
(JUSCELINO KUBITSCHEK)
Bibliografia:
Bibliografia:
Discurso à Nação e aos representantes diplomáticos dos Estados Americanos acreditados junto ao Governo Brasileiro ,Rio de Janeiro, 20 de junho de 1958. In: Brasil. Presidente (1956-1961). Discursos selecionados do Presidente Juscelino Kubitschek/ Luiza Helena Nunes Pìnto (Org.). Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. pp.27-33.
VIDIGAL, Carlos Eduardo. Augusto Frederico Schmidt: o poeta de dependência consentida. In: Pensamento Diplomático Brasileiro: formuladores e agentes da política externa (1750-1950)/ José Silva de Sá Pimentel (org.). Brasília. FUNAG, 2013.pp.1027-1059.
VIDIGAL, Carlos Eduardo. Augusto Frederico Schmidt: o poeta de dependência consentida. In: Pensamento Diplomático Brasileiro: formuladores e agentes da política externa (1750-1950)/ José Silva de Sá Pimentel (org.). Brasília. FUNAG, 2013.pp.1027-1059.
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