domingo, 3 de maio de 2015

Instituto Rio Branco: 70 anos em 7 momentos - Parte 3

Momento 3: A Política Externa Independente e o Instituto Rio Branco

A Política Externa Independente em ação: Jânio Quadros entrega o prêmio Grão-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul a Ernesto Guevara em 1961
 

A Política Externa Independente (PEI) anunciada em 1961 pelo presidente, Jânio Quadros, foi uma inovação conceitual nas estruturas permanentes da diplomacia brasileira. Esse movimento permitiu ao país dialogar com diversos parceiros sem precisar necessariamente fixar automatismos em sua atuação externa. Segundo o próprio Presidente, em mensagem enviada ao Congresso Nacional, na abertura da sessão legislativa anual de 1961:
Temos a convicção de que o estabelecimento de contactos proveitosos entre os países de ideologias divergentes é possível e se impõe ao Brasil (...)  Não existem, a nosso ver, quaisquer que sejam as expectativas subjetivas de cada facção, conflitos ou antagonismos de índole doutrinário, ou social, que sejam incompatíveis com a política de convivência sincera, de coexistência leal.
A busca de parcerias com múltiplos parceiros possibilitaria atingir o interesse nacional, em outras palavras, o desenvolvimento econômico.  Após anos de frustrações com a parceria alinhada aos EUA no pós-1945, onde o país não conseguiu subsídios fundamentais para desenvolver-se, a opção pela universalização é um movimento de reação aos problemas não solucionados pelos americanos. Sendo assim, pode-se firmar as bases da PEI nessas observações abaixo:

As proposições brasileiras de política externa para o ano de 1961

O Instituto Rio Branco (IRBr), como centro formador de diplomatas, não ficou indiferente as novas circunstâncias da década de 1960. Entre 1961 a 1965, pode-se verificar a entrada de candidatos que seriam influenciados pela Política Externa Independente, e no futuro exerceriam o alto comando da hierarquia diplomática a partir dos anos de 1990.


Ano
Nome
Prêmio
Cargo
1961-1963
Samuel Guimarães Pinheiro Neto
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Secretário-Geral (2003-2010)
1962-1964
Luiz Felipe Palmeiro Lampreia
1º lugar no Concurso de Preparação à Carreira de Diplomata (C.P.C.D)
Secretário-Geral (1992)
Ministro das Relações Exteriores (1995-2001)

1963-1965
Celso Luiz Amorim
1º lugar no Concurso de Preparação à Carreira de Diplomata (C.P.C.D) e 1º lugar no Curso de Formação
Secretário-Geral (1993)

Ministro das Relações Exteriores (1993-1995) e (2003-2010)
1964-1966
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1965-1967
Luiz Felipe Seixas Côrrea
1º lugar no Concurso de Preparação à Carreira de Diplomata (C.P.C.D)
Secretário-Geral (1992-1993) e (1999-2001)

Ministro das Relações Exteriores (2001)


Observa-se que dois Chanceleres do regime democrático foram formados durante o período da Política Externa Independente: Luiz Felipe Palmeiro Lampreia, o chanceler da "autonomia pela integração", e Celso Amorim, o chanceler da "autonomia pela diversificação". Ambos, com destaque acadêmico, recebendo as premiações "Lafayette Carvalho e Silva", em referência a primeira colocação no C.P.C.D, e o último deles, recebendo ainda o prêmio "Rio-Branco",  em relação a primeira colocação no Curso de Formação. Ademais, formou-se Secretário-Gerais, casos de Samuel Pinheiro Guimarães e Luiz Felipe Seixas Côrrea, esse último também agraciado com o prêmio "Lafayette Carvalho e Silva". Talvez seja um mero acaso, como em outros momentos da história diplomática, mas é possível citar novos argumentos para fundamentar a hipótese da simbiose entre PEI e IRBr.
Nesse aspecto, durante o período de 1961-1965, existiu os famosos discursos presidenciais/chanceleres na formatura dos alunos do IRBr. Esse exercício formal, pode revelar uma maior proximidade entre os alunos e os pensadores de política externa daquele período. Exemplo disso, ocorreu em 10 de dezembro de 1963, na formatura dos alunos da turma de 1961-1963, quando o Ministro das Relações Exteriores, San Tiago Dantas, proferiu valioso discurso sobre a geração de diplomatas que estava por chegar, destacando a sua diferença em relação as gerações anteriores. Tais diferenças de atributos, segundo ele são:


San Tiago Dantas anuncia o restabelecimento das relações diplomáticas com a URSS em 1961
A característica dominante da primeira fase foi uma posição idealista de afirmação de conceitos sem ligação com a realidade. Essa atitude dominou a cultura, a política e outras formas de liderança social e, no terreno da política exterior, o que pôde produzir foi a valorização de certas ficções, sobretudo de natureza jurídica, nem sempre correspondentes aos interesses específicos do país.
a fase seguinte foi marcada pelo descrédito daquele idealismo, mas, ao perder-se a confiança nas ficções e nas formas, não se soube substituí-las por critérios racionais e conceitos válidos, derivados de uma apreensão objetiva da realidade. Passou a prevalecer um realismo rudimentar, uma
incapacidade persistente de racionalizar soluções, desfechando numa espécie de fatalismo, em que se torna passivo – e muitas vezes desorientador – o papel desempenhado pelo homem público. Na política externa, o resultado é a abdicação de responsabilidades e de iniciativas, enquanto a diplomacia se transforma numa atividade assessorial e informativa, e gradualmente se desengaja do seu objetivo primordial, que é introduzir, por meios políticos, decisões do interesse do país em áreas de deliberação não dependentes de sua soberania.
A fase seguinte, de que o inconformismo da nova geração é o sinal e prenúncio, mas que já se acha representada por elementos expressivos nos quadros dirigentes de hoje, será realista, no sentido de que as idéias são o reflexo objetivo da realidade na consciência, e será, ao mesmo tempo, racional, no sentido de que os meios de ação, os tipos de comportamento e as decisões estão comensurados aos fins por critérios ditados pela razão. Foi deste realismo que surgiu a política externa independente do país e é de acordo com ele que se podem renovar e reafirmar, daqui por diante, as suas características e objetivos [Grifo Meu]
Esse diálogo próximo entre os recém diplomatas e os Chanceleres, de alguma forma marcou a geração do IRBr da PEI. Fica perceptível que Santa Tiago Dantas procurou afirmar distinções entre as políticas externas anteriores e a independente para consubstanciar a última.
Além desses debates com o passado, pode-se fazer uma análise comparativa entre os discursos da política externa independente e a atual. O Chanceler Celso Amorim  no livro, Conversas com Jovens Diplomatas (2011), diz que discursou acerca do problema cubano no seio hemisférico da Organização dos Estados Americanos (OEA), através dos seus escritos de San Tiago Dantas em relação à questão da expulsão de Cuba da OEA em 1962. Segundo ele, a capilaridade jurídica e prática colocada pelo Chanceler de Jango foi tão vigorosa que serviu para resolver um assunto do presente.
Finalmente, nos discursos   de Jânio Quadros e de Celso Amorim encontramos semelhanças conceituais de política externa. Em 15 de março de 1961, diz o primeiro deles sobre o interesse nacional que:
(...) o Brasil deve ter política externa que, refletindo sua personalidade, suas condições e seus interêsses, seja a mais propícia às aspirações da humanidade, ao desenvolvimento econômico (...) O grande interêsse brasileiro nesta fase histórica é o de vencer a pobreza, o de realizar efetivamente o seu desenvolvimento. O desenvolvimento e a justiça social são da essência mesma dos ideais democráticos. [Grifo nosso.]


Celso Amorim, o herdeiro da PEI


 E no mesmo caminho, em 2 de janeiro de 2003, o segundo ressalta que:
(...) o Brasil terá uma política externa voltada para o desenvolvimento (...) Uma política externa que seja um elemento essencial do esforço de todos para melhorar as condições de vida do nosso povo, e que esteja embasada nos mesmos princípios éticos, humanistas e de justiça social que estarão presentes em todas as ações do Governo Lula. [Grifo Nosso]

Em determinado momento ambos ressaltam o interesse nacional pautado pela busca do desenvolvimento econômico. As semelhanças podem ser explicadas por dois motivos: tanto pela permanência longeva das diretrizes de política externa brasileira, como quanto pelo aprendizado da geração de 1961-65 sobre a PEI, seja pela admiração explícita no caso de Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães ou pela possibilidade de intercâmbio entre os formuladores dela, como San Tiago Dantas, João Goulart(fez-se presente na formatura de 1962) e os alunos.
Para finalizar,  a Política Externa Independente não passou incólume nos quadros escolares do IRBr. Mesmo que as possibilidades apontadas acima sejam um certo devaneio, ainda sim é nesse período que são formados diplomatas com uma extirpe brilhante, condutores da atuação externa brasileira desde pelo menos os anos de 1990. Palavras como universalização de parcerias, busca pelo desenvolvimento, não alinhamento serão heranças vivas do linguajar de PEI nos últimos 20 anos, especialmente a partir de 2003, com a Política Externa Ativa e Altiva, da dupla Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães.



* Na turma de 1964-1966 ingressou 25 candidatos. Porém não foram encontrados aqueles que preenchessem os requisitos  da pesquisa, como ser Secretário-Geral ou Ministro das Relações Exteriores após a formação. Ainda assim, nessa turma houve candidatos de altíssimo gabarito, tal como Clodoaldo Hugueney Filho.


Bibliografia:

A Política Exterior do Brasil. Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI).  Vol. 4. Rio de Janeiro: 1961, IBPI. pp. 125-134

Anuário do Instituto Rio-Branco 1961/1962/1963. Rio de Janeiro: 1963, IRBr.

Anuário do Instituo Rio-Branco 1964/1965. Rio de Janeiro: 1965, IRBr

Discursos de San Tiago Dantas, paraninfo da turma de diplomatas de 1963- Em 10 de dezembro de 1963. Documentos da Política Externa Independente Vol.I/ Alvaro da Costa Franco (org.) - Rio de Janeiro: Centro de Documentação e História Diplomática; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007. pp.381-393

Celso Amorim. Discurso do Embaixador Celso Amorim por ocasião da Transmissão do Cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores, em Brasília. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 1 de janeiro de 2003.

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